Limpeza na lavoura
Professora da Unifran conduz projeto sobre o uso dos bichos-lixeiros no controle biológico de pragas do café
Aline Arbache
Gabriel Garcia
Foto acima: Secagem no café na propriedade de Leonardo Moraes, em Planaltina-GO: uma “revolução” no cultivo (Divulgação)
Alessandra Marieli Vacari, doutora e docente na Universidade de Franca (Unifran), orienta estudantes de graduação e pós-graduação em um projeto de pesquisa em Entomologia Agrícola apoiado pela Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – e pelo CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Iniciada em fevereiro de 2019, a proposta pretende avaliar a interação da lavoura cafeeira com os insetos crisopídeos, popularmente conhecidos por bichos-lixeiros, que combatem pragas-chaves como a mariposa dos bichos mineiros, o ácaro vermelho e o ácaro-da-leprose.
Alessandra afirma que conheceu várias regiões de café com crisopídeos ao trabalhar em Franca-SP e se sentiu motivada, uma vez que o cafeeiro é “uma das culturas de maior importância econômica, principalmente porque Franca está localizada na região da Alta Mogiana, onde são produzidos cafés orgânicos e especiais”. Ela enviou a proposta às instituições de pesquisa no intuito de desenvolver um programa aplicado na cultura, utilizando os crisopídeos no controle biológico. Até janeiro de 2022, a docente busca estudar a interação entre folha de café, bicho mineiro e bicho-lixeiro.
A professora explica que o bicho mineiro faz uma mina na folha para se alimentar dela. “Quando a mariposa pousa sobre a folha e coloca os ovos, deles eclodem as lagartas, que entram no parênquima foliar”. O parênquima foliar é o principal representante do sistema de tecidos da planta e, quando atacado, produz mecanismos de defesa que prejudicam o desenvolvimento, a reprodução e a oviposição do inseto-praga. Eles atuam tanto como detergentes na alimentação das lagartas quanto como atraentes dos bichos-lixeiros.
“Há um equipamento de sistema totalmente fechado, com um túbulo Y de vidro, chamado olfatômetro. Nele, coloco, de um lado, a planta não atacada, intacta, e, do outro, uma que sofreu injúrias do bicho mineiro. O crisopídeo, que está no meio, detecta e vai ao encontro da planta atacada, pela qual tem preferência. Isso é um indicativo de que, após o ataque, a planta produz os metabólitos e eles atraem o crisopídeo, o que não ocorre quando a planta não está infestada.”
Sozinhas, portanto, algumas plantas atraem os predadores naturalmente, mas essa proteção pode ser bloqueada por diversos motivos, como falta de adaptabilidade da planta ao clima ou o próprio monocultivo realizado pelo ser humano, visto que alimentos em excesso, falta de nutrientes na terra e ausência de outros fatores limitantes desencadeiam um ritmo desenfreado na taxa reprodutiva das pragas, com a qual a planta não dá conta de lidar por si só.
O projeto deve transformar toda a interação planta, herbívoro e predador em estratégias para produtores rurais que usam técnicas empíricas nem sempre eficientes. É aí que surgem os semioquímicos, produzidos por todos os seres vivos e que modificam o comportamento e a comunicação entre eles. Tratam-se de organismos que “conversam” com outros por meio do sistema sensorial e, de acordo com sua “intenção”, emitem sinais químicos que são captados pelo receptor para que ele reaja, positiva ou negativamente, à interação.
Os semioquímicos
São cinco técnicas de inserção dos semioquímicos na rotina agronômica, cujos benefícios preservam os agroecossistemas do impacto ambiental, reduzem ou eliminam gastos e diminuem resíduos de componentes tóxicos, do cultivo à mesa – como os inseticidas, que têm grande bagagem agrotóxica.
Em relação aos feromônios – semioquímicos liberados entre seres da mesma espécie -, os principais são os sexuais. Entre os humanos, eles podem ser liberados entre um casal, e o receptor dos estímulos iniciará um processo fisiológico, como retribuir ou não a um carinho. É por isso que, além da técnica de liberação dos predadores, o projeto de Alessandra experimenta como estes sinais sexuais agem no manejo integrado de pragas. Ela aponta que os feromônios para bichos mineiros são sintéticos e gerados pelas fêmeas da espécie para criar armadilhas: “Essas substâncias são produzidas em laboratório em forma de pastilhas e colocadas em armadilhas com piso de cola no campo, onde os machos são atraídos pelos feromônios sexuais delas e ficam colados. Dessa forma, a gente pode fazer amostragem sem ter que ficar caminhando em talhões enormes de café.”
Os semioquímicos já ocupam 30% do mercado mundial de biopesticidas e, no Brasil, os mais disponíveis são os feromônios sexuais: “Tem para bicho mineiro e pragas de hortaliças, milho, algodoeiro… Várias culturas”. Alessandra também conta que, desde o início do projeto, cinco biofábricas surgiram e já pediram autorização no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para registro e venda dos bichos-lixeiros.
Esses aliados da sustentabilidade também se revelam como uma conquista, tanto para os produtores de alimentos orgânicos quanto convencionais. “Um produtor de Planaltina-GO, com quem tenho parceria, me procurou recentemente. Indiquei uma empresa que tinha crisopídeos disponíveis. Ele está fazendo liberações e os resultados já são excelentes. É um produtor convencional, usa inseticidas químico-sintéticos. Há quatro anos, tentava controlar o bicho mineiro e não conseguia. Ele nunca teve resultado de controle numa área convencional”, diz Alessandra, que informa que um crisopídeo consome, em média, de oito a dez lagartas ou pupas de bicho mineiro por dia: “São muito vorazes.”
Sobre os resultados do projeto, a docente afirma que o próximo passo será testá-lo em campo, mas adianta que os pré-testes a deixaram entusiasmada: na liberação de crisopídeos em lugares com 70% de infestação, os bichos mineiros caíram para 11%. Perguntada sobre o futuro dos agroecossistemas com os semioquímicos, declara: “A expectativa é que, num futuro próximo, os produtores tenham acesso um novo programa de controle biológico.”
Choque cultural
Leonardo Moraes é o produtor de Planaltina mencionado por Alessandra. Por chamada de vídeo, ele compartilhou com a reportagem todos os métodos convencionais de controle de pragas que utilizou ao dar início à cultura cafeeira. Com 56 anos, é coronel aposentado da Polícia Militar e não conhecia nada de café, mas, há cinco, decidiu se aventurar na experiência.
Com uma área de 20 hectares, aprendeu a realizar todas as etapas da produção – do grão ao pó – junto com o filho, mas lembra que, em várias tentativas frustradas, comprava inseticidas e ovicidas comuns no comércio. “Nunca foi nada revolucionário. Foi o que os consultores indicavam e a gente ia usando o que dava certo por aí.”
Os resultados não foram favoráveis. “A praga foi crescendo, crescendo… Até que perdemos o controle. Nada mais fazia efeito. A natureza é muito malvada quando você a maltrata. E chegou a um ponto insuportável: a cada 15 dias, a gente tentava um produto novo ou repetia algum utilizado antes, mas nada funcionava. Perdemos a mão.”
Após os quatro anos de controle malsucedido, Leonardo conheceu Alessandra: “Foi uma grata surpresa”. Ele assistiu a uma palestra da professora e fez contato com ela. “Eu disse: ‘Olha, sou um pequeno produtor de 20 hectares, tecnificado e estou com este problema de infestação de bicho mineiro’. Ela me ofereceu um método e falou: ‘Estudamos um predador natural e sempre fizemos pesquisas. Nunca trabalhei diretamente com um produtor, mas posso te indicar algumas empresas’.”
Como as indicações eram distantes de Planaltina, a própria docente passou a participar das atividades da propriedade e a oferecer dicas. Leonardo explica que ela passou a orientar como quantificar a praga no cafeeiro e fazer as liberações do bicho-lixeiro. “Notamos que a situação foi mudando da água para o vinho. Tínhamos a praga começando a enfraquecer e a desaparecer, até que atingíssemos o controle total sem usar absolutamente nenhum inseticida. Foi um choque cultural.”
Após a mudança no cultivo, as expectativas de que o método pudesse colaborar com o fluxo de vendas do cafeeiro aumentaram. Segundo Leonardo, o desânimo ficou para trás. “O prejuízo havia chegada a 70% da minha produção. Meu café desfolhou de tal forma que a floração queimou com o sol, porque não tinha folha para proteger. Aqui no Planalto Central, em agosto e setembro, quando flora o café, a gente chega a 38ºC ou 38,5ºC numa seca de quatro a cinco meses. Situação é muito severa para o café que, totalmente desfolhado, não produzia.”
Por ser uma descoberta recente, o cafeicultor ainda não conseguiu introduzir uma nova colheita no mercado, mas já compartilha o ânimo renovado. “Este ano, com o crisopídeo, o café floriu e está extremamente enfolhado. A praga continua lá? Sim, porque o controle biológico não desaparece com a praga. Mas traz um equilíbrio tão grande para a natureza que o cafezal e os crisopídeos mantêm o bicho mineiro sob controle. Vamos ter uma safra comercial bastante favorável”.
Leonardo explica como foi descobrir um método em fase de pesquisas e utilizá-lo mesmo sem conhecimento. “Não tenho nenhuma dificuldade em admitir que era totalmente cego. Era desespero, porque já tinha usado produtos sistêmicos, foliares e de todo tipo que você imaginar. Apostei no crisopídeo pensando ‘ah, não tenho nada a perder, já tô com a batalha perdida em relação ao bicho mineiro’. E vi Alessandra falando tão bem, com tanta convicção, que falei ‘vou fazer contato com ela e tentar’. Confesso que não tinha expectativa, mas superou tudo o que conheço no mercado.”
Outra vantagem é que a lavoura passou a atrair outros tipos de insetos benéficos, como abelhas e vespas – essas últimas também predadoras naturais dos bichos mineiros. Conforme Leonardo, as plantas passaram a ter muito mais vigor, sem a necessidade de trocar o adubo.
Aos interessados em conhecer a área de cultivo, ele deixa as portas abertas. “Agradeço à professora, que se dispôs a ajudar um produtor na ponta da linha. Tenho uma lavoura muito mais saudável, muito mais produtiva, muito mais bonita e com custo menor, porque os produtos químicos tinham preços muito altos e não funcionavam. Foi uma revolução.”