Cidades sustentáveis

Novos perfumes

Lavandários despontam em Minas e São Paulo como opção de cultura sustentável e estimulam o mercado de cosméticos

Ana Laura Siqueira

Foto acima: Fernanda Freire, proprietária de O Lavandário: busca de um cultivo que casasse com a paisagem (Divulgação/O Lavandário)

Pouco a pouco, São Paulo e Minas Gerais vão ganhando tons de roxo. Há alguns anos, esses estados, nacionalmente conhecidos pela cafeicultura e pelos canaviais, começaram a destinar espaços das lavouras para campos de lavandas. Pequenos produtores locais investem no cultivo sustentável planta, também conhecida como alfazema. Afirmam que cada pé pode ser inteiramente aproveitado. Alguns deles acreditam que sua exploração comercial, voltada ao mercado de cosméticos, possa ser até mais lucrativa que a do café.

O interesse pelos lavandários de Provence, na França, não é a única coincidência compartilhada entre alguns dos agricultores do Sudeste. As histórias que motivaram o cultivo da planta são igualmente cheias de boas memórias. Fernanda Freire é publicitária e proprietária do O Lavandário, criado em 2012 em Cunha-SP. Ela diz que plantar lavandas foi como uma extensão dos trabalhos artísticos que desenvolvia no sítio, quando ele não contava com nada além de uma casinha. “Eu acompanhava a paisagem daqui. Sempre foi um lugar muito bonito. Ficava pensando que, se mudasse de vida, o que é que eu poderia fazer ali.”

Poda das lavandas: tons de roxo em meio ao café e canaviais (Foto: Divulgação/O Lavandário)

Foi uma lembrança da infância que motivou a empresária Ruth Cristina Reis a plantar a alfazema e criar o sítio Lavandas da Serra, em 2015, em São Bento Abade-MG. Rosângela Moraes, irmã de Ruth e consultora de marketing do empreendimento, explica que a vontade de iniciar o cultivo surgiu na irmã por causa das lembranças da perfumaria da mãe delas. “De vez em quando, nossa mãe guardava sabonetes de alfazema no guarda-roupa para perfumar as nossas roupas”.

Em 2016, a advogada Ana Paula Gentile herdou uma terra de seu avô, em Piumhi- MG. Por curiosidade, lá plantou três mudas de lavanda. Um tio pesquisador das propriedades medicinais das ervas colheu um raminho, macerou com açúcar e fez um chá. “Tomei aquele chá e desmaiei. Foi um sonífero incrível! Eu achei muito intrigante e comecei a pesquisar sobre a lavanda”. Essa história levou à criação do Herbário Saint Lucca, em 2017.

As recordações relacionadas à lavanda incitaram os projetos das produtoras, mas foram as vantagens da cultura que criaram raízes na vida dessas mulheres. De acordo com elas, a lavanda é de baixo custo e exige poucos cuidados. É uma planta de clima seco e o solo não precisa de uma adubação rica. Também é resistente a doenças e pragas. “A gente percebeu que não é difícil lidar com a lavanda. Ela é parecida com a parreira de uva: gosta de sofrer”, brinca Ana Paula.

O trato e o acompanhamento fáceis contribuíram para que, de três mudas, o Herbário Saint Lucca atingisse 10 mil pés. Já o Lavandas da Serra, que era dominado pela cafeicultura, tem cerca de cinco hectares repletos de lavanda – cada hectare suporta até 20 mil pés. E O Lavandário, que começou com 100 mudas, possui 45 mil pés.

Leandro de Barros Reis (agricultor e marido de Ruth), Ruth (empresária e dona do sítio Lavandas da Serra) e as três filhas do casal, Mariana, Giovanna e Carolinna (Foto: Divulgação/Lavandas da Serra)

Sustentabilidade e exploração econômica

Segundo a produtora Fernanda Freire, quando plantadas pela primeira vez, as mudas de lavanda levam, aproximadamente, um ano até que estejam prontas para a colheita. Os resultados da primeira poda são pouco expressivos, porque, no início, o volume de flores e dos próprios pés ainda é pequeno. A segunda colheita tende a atender as expectativas em quilos de alfazema e litros de óleo essencial. Fernanda diz, ainda, que, “aqui no Brasil, a gente consegue, com apenas seis meses de podação, que a planta volte à floração e possa ser podada de novo.”

Ela alerta que, para os produtores que desejam trabalhar somente com a extração do óleo essencial, o retorno pode ser mais singelo. Isso porque, segundo a produtora, para se obter meio litro de óleo, são necessários cerca de 365 pés de alfazema bem desenvolvidos, que correspondem a 80 quilos de planta. Por outro lado, Ana Paula garante que todo o esforço é válido. “Um litro de óleo essencial custa R$ 700, ou seja, o dobro de uma saca de café, e o custo de manutenção de um campo de lavanda é muito menor que de uma lavoura.”

Giovanna, proprietária do bistrô, montado no antigo spa (Foto: Divulgação/Lavandas da Serra)

Um aspecto da alfazema que é consenso entre elas é o de que cada pé pode ser completamente aproveitado. Quando a planta passa pelo processo de destilação, o resultado são dois líquidos: o óleo essencial (usado como essência para cosméticos e aromaterapia) e o hidrolato (usado como aromatizador) – que é um tipo de água aromatizada que sobra com o processo. Os resíduos são devolvidos à terra para servirem de adubo.

A destilação costuma ser o fim mais comum para a lavanda, mas não é o único. Apesar de cada sítio ter investido em meios próprios para extração do óleo essencial, a visitação é uma fonte de renda para todos eles. Os campos costumam ser o destino dos que desejam relaxar na natureza, mas, por muitas vezes, são eternizados pelos que buscam fazer ensaios fotográficos. Em razão da pandemia, as propriedades estão fechadas para turistas, mas Ana Paula afirma que tem programação para pessoas que querem fazer fotos já em novembro.

Os lavandários também comercializam produtos de cuidados pessoais feitos com seus óleos essenciais, como condicionadores, hidratantes, máscaras de relaxamento, perfumes, sabonetes e xampus. Propósitos mais inusitados também são dados às plantas, como torná-las enchimento para travesseiros ou serem usadas em receitas culinárias.

Herbário Saint Lucca, montado em 2017 em Piumhi-MG (Foto: Divulgação/Herbário Saint Lucca)

Reinvenção e novos projetos

O sítio Lavandas da Serra estava comprometido em explorar todos os benefícios que as lavandas poderiam oferecer e isso era feito por meio de empreendimentos em áreas diferentes. Uma loja de produtos para lavabos foi inaugurada em São Tomé das Letras-MG, pouco tempo depois da criação do campo. Há três anos, Ruth Cristina criou um spa de cuidados pessoais com lavanda. Em dezembro do ano passado, a casa de chá Lavandas da Serra foi aberta em um anexo ao lado do spa.

Com a chegada da pandemia da Covid-19 no início deste ano, a administração do campo não teve alternativa senão a de fechar as portas de seus comércios ainda recentes. Rosângela explica que essas atividades ficaram insustentáveis, já que eram todas diretamente relacionadas ao público, e, como a cafeicultura é a principal atividade da fazenda, os gestores optaram por dar mais atenção a ela.

Contudo, depois de estudar as possibilidades, os administradores decidiram ocupar o antigo spa com um bistrô de culinária afetiva com toques de lavanda. O empreendimento inaugurou na primeira semana de setembro. O local oferece bolos, bombons, sorvetes e drinks com lavanda. O café produzido na fazenda e que, até então, era somente para exportação, acabou se encontrando com a lavanda e virando mais uma opção no cardápio. “Tivemos que nos reinventar. Essa é até uma palavra que está na moda em razão do período. É uma palavra que agora precisa estar presente, que as pessoas vão precisar usar”, comenta Rosângela sobre a mudança.

Novos projetos também estão nascendo no Herbário Saint Lucca. Ana Paula informa que está trabalhando em um programa de geração de renda para mulheres da região de Piumhi-MG. “Pensei em contratá-las para trabalhar meio período na fazenda, porque a cultura da região é a do café, que exige jornadas longas e que só tem uma colheita por ano.”

Lavandários investem em produção própria de cosméticos (Foto: Divulgação/Herbário Saint Lucca)