Espírito do tempo

Longe dos animais

Adeptos do veganismo crescem no Brasil e estimulam novos mercados na região de Franca, como restaurantes e fábricas de calçados

Bruna Lopes

Jessica Carvalho

Sabrina Fernandes

Carolina Arantes

Foto acima: Número de veganos no país está estimado em 7 milhões (Banco de imagens)

Penélope Chagas, de 19 anos, moradora em Batatais, município vizinho a Franca, tenta se tornar vegana há um ano. Cortou carne vermelha da dieta, mas ainda consome frango, leite e derivados, ovos e mel. A pandemia do novo coronavírus tornou a decisão mais difícil, já que ela precisa comer o que há em casa. Por causa do isolamento social, não pode sair quando quer para comprar outros tipos de alimentos.

Segundo ela, há vários motivos pelos quais deseja aderir ao veganismo. Entre eles, achar cruéis métodos de criação de animais para abate ou exploração, além da preocupação com questões ambientais, como desmatamento para abertura de pastagens. Também busca evitar hormônios e antibióticos administrados nos bichos. E afirma encontrar, nos supermercados, muitos alimentos saborosos, como hambúrgueres feitos com cogumelos shimeji, abóbora, entre outros ingredientes.

Veganismo é um estilo de vida que exclui qualquer produto de origem animal. Além de alimentos, roupas feitas com couro e cosméticos – diferente dos vegetarianos, cuja restrição é apenas alimentar. Os novos hábitos podem trazer benefícios à saúde, como reduzir o risco de diabetes, obesidade, doenças oculares, câncer, além de auxiliar na recuperação muscular e performance em exercícios.

Por outro lado, geram polêmicas sobre a reposição de nutrientes que estão presentes em carnes, ovos e leites. Como ter uma alimentação saudável sem eles? As principais fontes de proteínas para os veganos são legumes, feijões, grãos e cereais integrais. O ideal, nesses casos, é fazer, no mínimo, três refeições diferentes por dia, todas elas contendo proteínas.

Mesmo assim, os nutricionistas alertam sobre os riscos que podem surgir. Entre eles, distúrbios alimentares, como anemia, bulimia, desnutrição e osteoporose, e psicológicos. Isso porque alguns veganos têm a tendência de consumir mais carboidratos do que proteínas. Por esse motivo, alguns especialistas sugerem o uso de suplementos.

Para a nutricionista Patrícia Pozza, de Batatais-SP, antes de iniciar uma dieta vegana, é necessário procurar acompanhamento profissional. “Apenas os nutricionistas podem orientar corretamente, evitando as carências nutricionais”. A carne, segundo ela, pode ser substituída pela lentilha, pelo abacate, pela soja e pelo amendoim, por exemplo. Mas, além das proteínas, alerta para o consumo das vitaminas pelos veganos.

Outro cuidado é que muitas pessoas associam o veganismo a uma alimentação que emagrece mais fácil. Não necessariamente. Patrícia diz que a melhor maneira de perder peso de forma saudável é uma reeducação alimentar adequada, seja ela vegana, vegetariana ou qualquer outra, além da prática de atividades físicas.

Antes da mudança, é recomendável ouvir nutricionista (Foto: Banco de imagens)

Em crescimento

O número de adeptos ao veganismo cresce em todo mundo e tudo indica que continuará a subir. No Brasil, estima-se que, dos 30 milhões que têm uma alimentação exclusiva de vegetais, 7 milhões sejam veganos. Com isso, existe toda uma economia em crescimento, com abertura de restaurantes, eventos relacionados à alimentação e casas especializadas no estilo.

Em Batatais, há um restaurante de alimentos veganos chamado “Meu pé de jaca”. As vendas são feitas via redes sociais. Segundo os donos, formados por um grupo de pessoas, desde que pararam de comer carne, não era fácil encontrar opções que fossem além das batatas fritas. Começaram a produzir em casa para consumo próprio e a experiência foi positiva. Tanto que decidiram investir no negócio.

Afirmam que até mesmo as pessoas que consumem carnes elogiam os pratos, como coxinhas de jaca, brócolis e palmito, nuggets de grão de bico, hambúrgueres vegetais, feitos com proteína de soja, feijão rosinha e couve-flor e, também, as marmitas de strogonoff e macarrão com almôndegas, também com proteína de soja, escondidinho de jaca e mix de legumes com hambúrguer e purê.

Segundo os membros da equipe, a procura por esses alimentos na cidade ainda não é considerada alta. Para eles, existe um certo receio em provar comidas veganas. “Todavia, nos surpreendemos com a reação das pessoas que já experimentaram e com o carinho que recebemos dos clientes”.

Coxinha de jaca de restaurante em Batatais começa a ficar mais conhecida (Foto: Divulgação)

Indústria calçadista

De acordo com a ONG Greenpeace, os gases emitidos por bovinos são responsáveis por 62% do efeito estufa no Brasil. E os 70 milhões de hectares para a criação de gado na Amazônia representam 60% do território já desmatado da floresta.

A vida aquática também é prejudicada. Conforme a FAO, agência da ONU para a Agricultura e Alimentação, 52% do território marinho são explorados no planeta. O problema é que as redes de pesca não capturam apenas peixes, mas outros animais que não servem para o consumo, fazendo com que diversas espécies sejam ameaçadas de extinção.

Muito além dos alimentos, o veganismo se estende a outros itens, como roupas, maquiagens e sapatos. Por serem produtos livres de qualquer envolvimento animal, se tornam cobiçados não apenas por quem escolhe se adaptar ao estilo vegano, mas, também, por aqueles que se interessam ou têm curiosidade por seus materiais e métodos.

A Vegalli, marca de sapatos e acessórios veganos e sustentáveis, de Franca-SP, é uma das que entraram nesse mercado. A empresa nasceu pelas mãos de Ana Rita Poppi, de 51 anos, que abriu o negócio após muitos estudos e testes. “Há dois anos, comecei a pesquisas sobre materiais alternativos que pudessem ser usados para a fabricação de calçados. Buscava materiais que fossem provenientes de algum reaproveitamento ou reciclagem, pois meu objetivo era desenvolver uma linha de calçados e acessórios que fosse sustentável e que tivesse o menor impacto ambiental possível”, afirma ela.

“Ao longo destes estudos e testes, pensei também em aliar a não crueldade animal aos meus produtos. Pensei, então, que utilizar matérias-primas recicladas e de origem não animal seria uma maneira de já estar contribuindo para a preservação do meio ambiente. E foi aí que nasceu a Vegalli, produzindo calçados e acessórios sustentáveis, veganos e genuinamente nacionais.”

A empresa utiliza solados reciclados, retirados de sobras de borrachas misturadas à massa para a fabricação de novos sapatos. Com os mesmos materiais, produz mochilas. “Utilizamos tecidos provenientes da reciclagem das aparas têxteis e tecidos provenientes da reciclagem de garrafas pet”, acrescenta Ana. Ela explica que o retorno vai muito além do lucro. “Não recebemos nenhum benefício do governo para fazer este tipo de produto. O benefício que temos é o de estarmos desenvolvendo algo novo e com propósitos de melhorar o nosso mundo!”.

Quando perguntada sobre o custo dos sapatos veganos comparados a um calçado comum, relata. “Como usamos matérias-primas provenientes de fios reciclados e borrachas trituradas, a produção tem um custo muito mais elevado do que as industrializadas em massa. Para obter os fios provenientes da garrafa pet e das aparas têxteis, o processo é muito delicado, pois transforma algo que já existe no estado em que se encontra em uma nova matéria para ser reutilizada. A produção em massa é muito mais barata, porém fazemos produtos exclusivos, que aliam design à sustentabilidade”.

A produção é voltada, exclusivamente, para a venda online e chega a todo o país.

Vegalli substituiu o couro por reciclagem de aparas e de garrafas pet (Foto: Divulgação)

Veganismo: nós defendemos e praticamos!

“Fui vegana por 7 anos, conheci o veganismo por meio da internet e tive a decisão de me tornar vegana pelo fato de não achar justo se apropriar de um ser senciente por motivos de prazeres gastronômicos. No começo, tive deficiência de vitamina B12 e isso desenvolveu alguns sintomas característicos, mas logo resolvi esse problema com suplementação. Senti muita diferença no meu organismo, minha pele ficou 100% melhor. Não tenho contato nem conheço ninguém que segue esse estilo de alimentação, o que acabou afetando minha vida social e foi um dos motivos de eu deixar o veganismo eventualmente. O outro motivo foi o fato de, na época, eu estar me recuperando de uma anorexia, então tive que cortar qualquer restrição alimentícia.” Bruna Amaral, 19 anos

“No início de 2015, me tornei ovolactovegetariana e em 2018 iniciei o estilo de vida vegano. O primeiro contato que tive com a ideia de parar de comer carne foi através de amigas que já eram ovolactovegetarianas. A exploração animal não só prejudica as outras espécies, não só reforça um comportamento humano não muito agradável, como também traz problemas ambientais, na medida em que forçamos a existência não natural de animais em massa, desmatamos para que haja espaço para criação desses animais, utilizamos de espaços para alimentação dos mesmos, de água e isso é só um resumo da ópera. Existem roupas, cosméticos, produtos de limpeza, objetos que utilizam partes e/ou fazem testes em animais. Eu busco me atentar a tudo e estou sempre descobrindo informações novas. Parece forçação de barra, mas eu não fico doente mais com tanta frequência: gripes, resfriados, fraquezas eram bem mais comuns. E preciso mencionar a grande conquista que foi o intestino funcionando, porque sofri com isso a minha vida toda.

O veganismo veio mostrar que podemos sim contribuir muito para o nosso planeta mudando apenas a nossa alimentação. E, em suma, é um movimento que busca a libertação animal em todas as frentes possíveis, incluindo mercado, alimentação, trabalho forçado e entretenimento. Também nos proporciona uma vida saudável e busca favorecer muito a nossa fauna e flora.

É uma questão ambiental, mas também de ética, pois os animais utilizados na alimentação são confinados a uma vida de sofrimento e a sua morte muitas vezes é acompanhada de tortura, além dos repletos abusos que sofrem por parte dos criadores. Os animais são muito fragilizados, sentem medo e os matadouros não garantem que os animais sejam mortos sem dor. Ainda há inúmeros relatos de animais que chegam à linha de desmanche acordados, sem que os tenha adormecido, e de galinhas vivas que são submersas em água fervente.

A saúde e vitalidade podem se tornar melhores como nunca. E é preciso antes saber como fazer a transição e quais alimentos comer diariamente. Procurar uma nutricionista (vegana) é o melhor meio para iniciar-se nesse estilo de vida, para acompanhar e orientar a alimentação. A alegria de salvar vidas ao comer e saber que não há nenhum sofrimento em nosso prato é algo que vale a pena tentar.

Veganismo é a forma de ter uma alimentação mais saudável e, assim, ter melhoras na saúde e disposição, sempre tomando os cuidados e seguindo as recomendações de especialistas. É a forma de preservar a vida animal e ajudar o meio ambiente. Acreditamos que nem todas as pessoas conseguiriam se adaptar a essa rotina de alimentação, talvez por já terem em sua rotina alimentar produtos de origem animal. Então, deixar de consumir esses produtos seria um desafio muito grande.” Letícia Morais, 25 anos