Ciência transformadora

Crohnistas da vida

Pessoas com Doença de Crohn escrevem uma história de luta diária que envolve adaptações do corpo e da mente 

Kaique Castro

Foto acima: Educador físico, André Rocioli (de camiseta verde) passou por cirurgia em 2012 e está em remissão (Acervo pessoal)

Poucos sabem como é o dia a dia de uma pessoa com uma doença autoimune. Especialmente quando se trata de uma pouco conhecida e divulgada, como o Crohn, síndrome inflamatória que abala o trato intestinal, em especial sua parte final, como o cólon, o reto e o ânus, mas que também pode aparecer em outras partes do processo digestivo.

A causa da doença é desconhecida. Sabe-se, no entanto, que se manifesta, em percentuais equivalentes, em homens e mulheres, com maior incidência na faixa de 20 a 40 anos. Em grande parte dos casos, também se apresenta em parentes próximos.

Na maioria das vezes, os primeiros sintomas são perda de peso, decorrente de anemia, junto com algum sangramento e dores abdominais. Semelhantes aos de uma infecção intestinal, podem levar ao diagnóstico incorreto e, como consequência, a um atraso no início do tratamento. Após o diagnóstico, o paciente começa uma luta diária, com seu corpo e mente.

A jovem de Franca Stefany Luiza de Castro, de 25 anos, tinha 14 quando viu sua vida mudar completamente. Com diarreia e sintomas de uma virose, procurou atendimento médico. Com a persistência dos sintomas, mesmo após ser medicada, e grande perda de peso, os médicos suspeitaram de algo mais sério. Foram alguns meses com sangramento e anemia, até que soube que era Crohn.

“Quando soube da doença, a única coisa que conseguia fazer era chorar. A medicina não conhecia muito sobre a síndrome de Cronh. Passei por vários médicos até ter a certeza do que era mesmo. O susto foi bem grande para toda a minha família. Conviver com as dores e a quantidade de vezes que preciso ir ao banheiro é um sofrimento muito grande. Não há remédio que passe a dor”, conta.

“Por muitas vezes, quando começava a ter vontade de ir ao banheiro, chorava de desespero só de imaginar o que teria que enfrentar, as dores. Cheguei a pesar quase 40 quilos. Tenho 1,75 metros de altura e esse peso é muito pouco”, emenda.

Stefany não sabia na época,  mas aqueles sintomas eram apenas a primeira de muitas crises que enfrentaria. Mais de dez anos depois e ela ainda não entrou em remissão, fase que a doença não mostra mais sinais de atividade nos pacientes, mesmo sem ter sido curada.

Apesar do avanço da medicina mundial, os tratamentos para Crohn estão em desenvolvimento. Muitas medicações são usadas, mas nenhuma que traga um resultado definitivo. As que existem servem para ajudar o paciente a ter uma vida o mais normal possível, podendo chegar até a remissão. Eles são administrados de acordo com a fase da doença, classificada como leve, moderada ou grave.

Normalmente, são prescritos corticoides para conter as inflamações. No caso de Stefany, que está num estágio avançado, são usadas drogas imunossupressoras, indicados também para manter a remissão. Elas causam, porém, efeitos colaterais, além do que a indicação prolongada traz riscos de câncer.

Stefany hoje e no início da doença: ela chegou a pesar 40 quilos (Fotos: Acervo pessoal)

Custos

Outra luta vivida pelos pacientes da Doença de Cronh está relacionada ao preço dos remédios. No Brasil, o valor da medicação ultrapassa os R$ 100 mil. “Muito alto. Minha família e eu não tínhamos condições de pagar, assim como acontece  com a maioria dos pacientes. Precisei entrar com uma ação judicial contra o meu convênio para obter a medicação”, explica Stefany.

No caso dos pacientes mais graves, com obstrução intestinal, doença perineal, hemorragias e fístulas, é necessária intervenção cirúrgica. Além dos medicamentos sintéticos e biológicos, existem, em várias partes do mundo, métodos alternativos, como o uso de derivados da maconha, pó de banana verde, argila, entre outras, para desinflamar o intestino ou amenizar os sintomas. Para todos, há a necessidade de aval médico.

Esse é o caso da Elaine Dinardi, de 33 anos, que descobriu a doença há dez. Durante um exame de colonoscopia, o médico percebeu que o intestino estava bastante inflamado. Pouco depois, veio o diagnóstico.

Elaine começou o tratamento pelo Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, onde iniciou o uso de medicação imunossupressora. Sem muito êxito, passou a utilizar a bolsa de ostomia, para retirar um pedaço do íleo, parte final do intestino delgado, devido a estenose, inflamação provocada por um estreitamento. “A bolsa foi minha salvação. Demorei um pouco para me acostumar, mas, com dois meses de uso, me acostumei. Nem lembrava que tinha Crohn. Nada de dor, podia comer de tudo. Me sentia uma pessoa normal.”

Nem tristes demais, nem felizes demais

A dura realidade de saber que se tem uma doença sem cura e conviver com isso todos os dias é uma batalha com o próprio corpo. E com a mente. No caso do Crohn, o controle emocional também faz parte do tratamento. Por se tratar de uma síndrome psicossomática, quando o controle das emoções afeta o dia a dia, os portadores da doença não podem ficar muito triste, nem muito felizes.

E isso não é tarefa das mais fáceis. O educador físico André Rocioli relata, principalmente, o difícil processo de descobrimento, aliado ao descontentamento com o emprego. “Eu lembro que trabalhava na área administrativa de uma empresa e que, no meio do trabalho, tinha que correr que nem louco pro banheiro, rápido. Lembro que sofria muito. E, até então, não era a área que eu gostaria de trabalhar. Sempre quis trabalhar com educação física. Por consequência da vida é que estava na área administrativa”.

Com toda a tensão acumulada, Rocioli passou a ter dificuldades em seus relacionamentos, o que melhorou depois que passou a cursar educação física. “Comecei a tentar não guardar todos os problemas pra mim. Hoje, chego pra pessoa e falou o que estou sentindo”.

Depois da cirurgia, feita em 2012, garante estar bem. “Às vezes, dá uma dorzinha por ter exagerado e ter menos intestino, mas me considero em remissão, graças a Deus.”

André, antes e depois da cirurgia: curso de educação física ajudou (Fotos: Acervo pessoal)