Milho em cores
O crioulo, que chama a atenção pelas várias tonalidades, é sinônimo de alimentação saudável e alternativa de renda
Patrícia Cristina Garcia
Foto acima: Espiga com cores misturadas é obtida por cruzamentos (Banco de imagens)
Você já ouviu falar em milho colorido? Isso mesmo. A pergunta não está errada. Ele existe. E não é um milho tachado por miçangas, não. É bem parecido com aquele velho milho que você conhece. As diferenças estão na textura, que pode ser mais macia e cremosa, no gosto, às vezes levemente adocicado, e, claro, nas cores: tem milho roxo, azul, vermelho, laranja, preto… E aqueles com várias cores misturadas na mesma espiga. Nas propriedades nutricionais, não perdem para o amarelinho comprado em bandeja ou latinha no supermercado. Pelo contrário. Geralmente, têm mais vitaminas e minerais.
Segundo alguns sites especializados, essa história teria começado há décadas atrás, nos Estados Unidos, mais especificamente em Oklahoma, onde o agricultor Carl Barnes, então com 80 anos e muita experiência em genética alimentar, resolveu explorar uma nova técnica, que depois foi disseminada pela América.
A prática de cultivar uma grande variedade de sementes de milho foi herança de familiares. Isso permitia a ele selecionar as melhores e replantar. Entre elas, algumas com cores diferentes e curiosas, que nasciam em meio às tradicionais amarelas. Com o tempo, essa ação resultou em milhos “arco-íris”, “com cores circenses”, “com azul profundo”, entre outros.
Em 1994, Greg Schoen, agricultor conhecido de Barnes, teria ido conhecer o novo produto. Viraram grandes amigos. Em 2005, a lavoura de Schoen já tinha outras cores, também vibrantes e diferentes das de Barnes.
No Brasil
O milho colorido teria entrado no nosso País por terras mineiras. Logo, chegou a Patrocínio Paulista- SP, que fica ao lado de Franca e perto da divisa com Minas, onde o agricultor Anderson Arcanjoleto, engenheiro químico por formação, aderiu à agricultura sintrópica, um sistema de cultivo florestal que visa ser sustentável, recuperando áreas degradadas e reaproveitando, nas próprias lavouras, resíduos da produção.
Na horta dele, são cultivados alface, rúcula, couve, brócolis, mostarda, cheiro verde, manjericão, orégano, jiló, berinjela, abóboras, chuchu, beterraba, tomate, cenoura, mandioca, feijão, banana, ervilha, couve-flor, repolho, cebola, amora, maracujá, pêssego, além de milhos coloridos.
As cores variadas são típicas dos milhos crioulos – que são primitivos, cujas sementes são passadas de geração para geração e das quais a indústria não se apropriou, já que prefere variedades comerciais, por causa da produção em larga escala. Isso significa que um milho com sementes amarelas também pode ser crioulo. Mas o que chama mesmo a atenção são as diversas tonalidades. Arcanjoleto diz que implantou os crioulos na propriedade dele por curiosidade. Mas também cita, como motivos, a boa genética, a intenção de preservar as espécies e a de permitir aos consumidores que saibam a procedência do produto.
“Pelo que tenho conhecimento, a cor já é uma característica de cada espécie. Agora, se uma cor for polinizada com outra, e assim por diante, chega uma hora em que teremos sementes de várias cores na mesma espiga”. Ele garante que a procura pelos milhos coloridos é boa. “A excelência em vendas é resultado do interesse. Há várias reações. Pessoas perguntando ‘o que é’ e curiosas sobre como cozinhar. Elas também ficam impressionadas e até otimistas com o alimento”.
Na cozinha
A cozinheira Jade Machado mora em Vargem Grande, no Rio de Janeiro. Ela atua no ramo da agroecologia e se diz encantada com as possibilidades oferecidas pelos milhos crioulos, que têm, como outras características, serem orgânicos e não transgênicos, o que também os diferencia dos industriais.
Um dos projetos que ela realiza, desde 2012, é a “Cura Gastronômica”, que junta meditação à prática da permacultura – sistema em que plantas, animais, construções e pessoas se integram em um ambiente produtivo que se autorregenera e se automantém. “Tudo a ver com a agroecologia, que protege as sementes crioulas”.
Adepta da alimentação vegana e vegetariana, Jade aceita encomendas de produtos sem glúten e sem açúcar. Tem uma cantina no bairro da Glória, no Rio, com um cardápio somente com esse tipo de alimentação. E o milho crioulo não poderia ficar de fora. “Nós oferecemos muito valor aos agricultores locais. Usamos insumos de agricultores de Vargem Grande, onde moro, e do Rio de Janeiro. Fazemos parte de uma rede chamada ‘Rede Ecológica’ e, por meio dela, conseguimos esses produtos agroecológicos direto da agricultura familiar”.
Tradições
Em campos gaúchos, no município de Ibarama, o técnico em agropecuária Giovani Rigoni, graduado em gestão ambiental e especialista em educação ambiental e sustentabilidade, presta orientações sobre o uso de tecnologia em diversos setores, como saneamento básico e ambiental, para melhorar o desempenho das lavouras. Ele é funcionário da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). O produto que movimenta a cidade, de pouco mais de 4.500 moradores, é o milho crioulo.
Rigoni afirma que o cultivo do milho teria se originado, na América, com os impérios Inca e Maia. Em Ibarama, as variedades crioulas são plantadas desde a década de 1960. Em 1998, foi criado um banco de sementes, para o que os agricultores pudessem trocar variedades com outros. Quatro anos depois, com o hábito enraizado, surgiu o primeiro dia de troca de sementes. “Não se trata apenas do produto, mas da troca de saberes, conhecimentos, experiências, enfim, do ‘saber popular’”, afirma Rigoni. O evento é realizado anualmente, na segunda sexta-feira de agosto, com a participação de produtores até do Peru e do Uruguai.
Mais quatro anos se passaram até a organização, também em Ibarama, da primeira feira estadual do milho crioulo. Foi neste mesmo ano, 2002, que a Emater venceu o concurso internacional Von Martius, promovido pela Câmara do Comércio e Indústria Brasil-Alemanha. O programa “Resgate de sementes de milho crioulo” ajudou a reduzir gastos com sementes, impactando diretamente nos custos de produção, e aumentar a qualidade dos milharais. Uma diferença significativa na vida de famílias que sobrevivem da agricultura em pequenas áreas.
Já em 2008, foi criada a Associação dos Guardiões de Sementes Crioulas, que atende 75 famílias. Até agora, foram resgatadas 23 cultivares de milho crioulo, favorecendo a geração de emprego e renda. A palha do milho também passou a ser reaproveitada, para fazer artesanato. E, além do milho, são resgatadas plantas condimentares e medicinais. Outro benefício às famílias de agricultores familiares.
No ano seguinte, a Emater promoveu o lançamento de um livro com “receitas de avó”, que está em sua décima edição e tem distribuição gratuita em Ibarama. Várias dessas receitas levam o milho crioulo como ingrediente. Algumas delas puderam ser apreciadas em abril deste ano, quando foi realizado o primeiro jantar gastronômico do milho crioulo no município.
Para os interessados, as sementes chegam a ser enviadas pelos correios, ao valor de R$ 5 o quilo. “O mais importante não é o lado comercial, mas a questão da diversidade cultural, social e ambiental”, explica o técnico.
Creme de milho crioulo
A Jade Machado preparou uma receita que leva milho crioulo. Confira:
Ingredientes
2 espigas de milho crioulo verde, cozidas e debulhadas
1 cebola pequena
1 colher de sopa de azeite de oliva
2 colheres de sopa de farinha de aveia
1/2 xícara de água filtrada
Sal, pimenta e temperinhos a gosto
Modo de preparo
Em uma panela, doure a cebola no azeite.
Acrescente o milho e a água.
Reduza a temperatura do fogo em seguida.
Misture a farinha de aveia até que o creme comece a encorpar.
Tempere com sal e pimenta a gosto e um pouquinho de chimichurri.
Desligue o fogo e processe o creme para partir os grãos de milho.
Rende 2 porções.