Ciência transformadora

Novos criadores

Polo capacita produtores rurais para o manejo das abelhas sem ferrão, aliadas ambientais e que oferecem mel de alta qualidade

Luciana Garcia

Foto acima: Apesar da riqueza da fauna e da flora brasileiras, há preocupação com extinção das abelhas (Igor Savenhago)

Um projeto criado em 2018, voltado para a formação de novos criadores de abelhas sem ferrão, está em pleno funcionamento em Ribeirão Preto. A iniciativa veio de uma parceria entre a Amesampa – Associação de Meliponicultura de São Paulo –, o Departamento de Genética da USP de Ribeirão Preto e a Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), antiga CATI. O intuito do projeto é promover, por meio de cursos especializados, a capacitação dos interessados para boas práticas de manejo e regularização da atividade.

“Neste segundo semestre, foi montado um curso com cinco módulos, que está sendo ministrado por professores doutores da USP, chefiado pelo professor Ademilson Espencer, com diversas aulas práticas e com alguns dos melhores criadores de abelhas da região”, afirma Eder Avelar, membro da Amesampa e organizador de eventos para a divulgação da meliponicultura em Ribeirão Preto e região.

A demanda por abelhas sem ferrão é considerada alta na região. Segundo Eder, por ser um polo de ensino sobre apicultura e meliponicultura, Ribeirão Preto atrai pessoas para os cursos, o que motiva produtores de outras áreas da agropecuária a aderir ao ramo.

Para Paulo Vitor, produtor de alimentos orgânicos, um dos frequentadores do curso, o projeto trouxe benefícios profissionais: “Na conversa com Eder, pude descobrir a eficiência da polinização feita por abelhas sem ferrão nas culturas agrícolas. Aquilo me chamou a atenção, pois poderia ter importantes aliadas na minha produção.”

Paulo Vitor, próximo a abelhas mandaçaia: elas ajudam na produção de orgânicos (Foto: Divulgação)

Ainda de acordo com Paulo, o contato com as abelhas sem ferrão trouxe a paixão pela meliponicultura. Hoje, ele também é instrutor de PANC – plantas alimentícias não convencionais. “Nas minhas apresentações e minicursos, falo um pouco da diversidade alimentar que temos à disposição e da qual as abelhas também usufruem e precisam. Com essas plantas, podemos criar jardins comestíveis e melitófilos, que é quando as plantas são úteis às abelhas sem ferrão, fornecendo néctar, pólen ou resina”.

Segundo Eder, o número de interessados no projeto dobrou de 2018 pra 2019, o que mostra o quanto “é importante e promissor”.

Parcerias

A repercussão da criação do polo de abelhas sem ferrão em Ribeirão Preto garantiu novas ideias e parcerias. Com a popularização, a cervejaria Colorado propôs, em outubro do ano passado, produzir cervejas com o mel de quatro espécies. O resultado, de quebra, chamou a atenção para a necessidade de conscientização em relação ao sumiço das abelhas. “Os consumidores pensaram que iria acabar a produção de cerveja com mel, uma das mais vendidas da empresa. A Colorado mostrou que, se acabarem as abelhas, acabaria o mel e, consequentemente, a cerveja não poderia mais ser produzida”, relata Eder.

A parceria também gerou dois meliponários – local onde as caixas de abelhas ficam instaladas –, um localizado na CDRS e outro, pequeno, no bar “Toca do Urso”.

Manejo da marmelada, uma das 250 espécies sem ferrão existentes no Brasil (Foto: Divulgação)

Conhecendo as abelhas

Somente no Brasil, existem, aproximadamente, 50 gêneros e mais de 250 espécies de abelhas sem ferrão. Elas possuem o ferrão atrofiado, sendo, portanto, incapazes de picar. Por essa incapacidade, o manejo dessas abelhas se torna mais fácil, oferecendo meios de criação mais populares, como em jardins e quintais.

O mel das abelhas nativas sem ferrão é considerado como um dos mais deliciosos. Por isso, é bastante apreciado e possui, também, valor cultural na medicina dos povos tradicionais. Para a obtenção do mel, algumas das espécies mais indicadas são uruçu, uruçu cinzenta, tiúba, jandaíra, mandaçaia e jataí.

As abelhas sem ferrão também são conhecidas por serem as melhores agentes polinizadoras do país, uma vez que o clima tropical, com toda a diversidade da fauna e da flora, favorece a criação e o consequente aumento da produção agrícola. No entanto, sua utilização de forma não racional tem prejudicado a preservação.

Importância

Apesar de serem pequenos insetos, as abelhas possuem um grande papel em toda a vida na terra. Se você gosta de comer certos legumes ou frutas, é preciso entender que elas são um dos principais agentes vivos, conhecidos por bióticos, que contribuem para a existência desses vegetais.

Através da polinização – processo de transferência dos grãos de pólen da estrutura masculina para o estigma (estrutura feminina) –, essas abelhas acabam garantindo a fecundação e a produção de novos alimentos. O resultado dessa interação ecológica favorece frutos maiores, com maior valor nutritivo, sabor incomparável e durabilidade.

Assim como a agricultura, a agropecuária também necessita dos serviços prestados pelos agentes polinizadores. Tudo está interligado. Quando não ocorre a fecundação, a planta não se desenvolve e, por conseguinte, os animais herbívoros não se alimentam.

CDRS realiza cursos, como este em 2019: interesse dobrou em relação a 2018 (Foto: Divulgação)

Muito ameaçadas

Apesar de o Brasil ser um país rico em fauna e flora, é notável a preocupação com a extinção de todas as espécies de abelhas. A importância desses insetos na preservação ambiental é indiscutível. São responsáveis pela polinização de 30% das espécies da Caatinga e Pantanal e de até 90% das espécies da Mata Atlântica.

O aumento da poluição ambiental, o uso exagerado de agrotóxicos para controle de pragas, mudanças climáticas e a substituição dos habitats naturais pelas áreas urbanas são fatores negativos para sua sobrevivência.

Dados do Brasil
Em 2018, a BPBES, Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, elaborou o 1º Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil.

O documento relata que, naquele ano, a agricultura brasileira se beneficiou dos serviços prestados pelos agentes polinizadores, como abelhas, borboletas, mariposas e morcegos, garantindo R$ 43 bilhões associados a produtos como soja, café, laranja e maçã. Das 191 plantas cultivadas e silvestres relacionadas à alimentação no Brasil, 91 delas dependem de polinizadores.

Eder Avelar, da Amesampa, organiza eventos para promover a meliponicultura (Foto: Igor Savenhago)