Ciência transformadora

Segredos do gourmet

Do campo ao paladar, conheça técnicas que permitem produzir, com qualidade, uma das bebidas que mais agradam aos brasileiros

Renata Juliotti

Foto acima: O Brasil é o maior produtor de café do mundo e o segundo maior consumidor da bebida (Banco de imagens)

O café. Uma das bebidas preferidas pelos brasileiros, que representa uma cultura e uma economia fortemente baseadas na experiência que os pequenos grãos proporcionam. O Brasil é o maior produtor de café do mundo e o segundo maior consumidor da bebida.

Das várias espécies do planeta, o país cultiva apenas duas, as de maior representatividade econômica no mercado mundial: o Arábica (Coffea arabica) e o Robusta (Coffea canephora). Ambas possuem características diferentes uma da outra, que podem servir a vários objetivos de produtores e consumidores.

E pode-se encontrar diversos “tipos” de café no mercado, baseados em critérios como apresentação, adição/extração, cultura e classificação. Pela classificação, temos os cafés tradicional, o superior e o gourmet.

A diferenciação

O processo de preparo do café foi aprimorado com o passar dos anos, sempre em busca de novas opções e experiências sensoriais, aliadas à praticidade envolvida. Para diferenciação dos cafés especiais, deve-se ter como base atributos físicos e sensoriais, como a qualidade da bebida, que precisa ser superior ao padrão. Com o processo de aprimoramento da produção e dos grãos de café arábica, é obtido um produto diferenciado, quase isento de defeitos. Este é o café gourmet. Um café especial é caracterizado por ser de qualidade diferenciada, que envolve desde o processo de produção até o consumo, levando em consideração parâmetros intrínsecos da qualidade da bebida (variedade, origem, cultura e pós-colheita), além da condição da produção dos grãos.

“De acordo com a classificação, o valor é agregado. No Brasil, a qualidade do café é avaliada, principalmente, em função de duas classificações: por tipo e por bebida”, afirma Victor Ferreira, coordenador de torrefação da Cocapec, a cooperativa dos produtores de café de Franca. A caracterização do café gourmet se dá a partir do Programa de Qualidade do Café (PQC), através do qual a ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café – estabeleceu normas para a classificação do produto e a obtenção de Selo de Qualidade em três níveis: Tradicionais, Superiores ou Gourmet.

Segundo o centro de estudos Nespresso Expertise Center, da empresa pioneira em cafés capsulados no Brasil, os Cafés Gourmet são constituídos de café 100% arábica de origem única, ou “blendados”, que atendam às características e à qualidade global da bebida. A preparação de um café especial de qualidade começa com a seleção da área e variedade a ser plantada. O impacto dessas escolhas é essencial, e a qualidade final da bebida não poderá ser modificada por práticas culturais ou tipo de processamento.

A escolha do local de plantio relaciona-se com a qualidade do café e a sustentabilidade de seu cultivo. A legislação brasileira de proteção ambiental requer um equilíbrio entre plantações, pastagens e florestas. Segundo dados apontados pelo setor de pesquisas da Cocapec, o clima de cada região favorece a um padrão e particularidade do café. Os invernos secos dos planaltos da Bahia e do Norte de Minas e sua proximidade do Equador privilegiam a produção de cafés aromáticos. O Cerrado de Minas Gerais se beneficia de estações bem definidas, maturação uniforme e muito sol durante a colheita para produzir cafés com perfeito equilíbrio entre corpo e acidez. As montanhas do Sul de Minas e da Alta Mogiana são conhecidas por cafés com corpo e aroma excelentes e uma doçura natural não encontradas em outras partes do mundo. E bom corpo, acidez e doçura em cafés cultivados em regiões altas e cerejas descascados são características da região de Matas de Minas.

Segundo a Cocapec, o clima de cada região favorece particularidades do café (Foto: CNCafé)

A arte do blend

No mercado em geral, é muito comum a bebida “blendada”, misturada. A composição de um blend envolve uma espécie de alquimia, explicam os especialistas da Nespresso Expertise Center. Primeiramente, são selecionas determinadas origens de café por suas características particulares: aroma, requinte, qualidade do “crema”, aftertaste duradouro, etc. Em seguida, elas são combinadas para intensificar suas características individuais. A dificuldade reside no fato de que as características de uma origem de café podem mudar de um ano para outro devido a variações no clima ou no solo. No entanto, pode ser mantido um sabor e um aroma consistente.

O blend exige, portanto, uma precisão absoluta em termos de proporções. A utilização de grãos de diferentes regiões faz um blend tanto para se alcançar um paladar diferente quanto para diminuir o custo do produto. Segundo o coordenador Victor Ferreira, da Cocapec, um dos países que mais compram café com blend especial é o Japão. O país também costuma comprar uma quantidade de cada região e realizar o processo no próprio país de acordo com o paladar do consumidor japonês.

Café gourmet orgânico

Produzido sob as regras da agricultura orgânica, o café orgânico deve ser cultivado exclusivamente com fertilizantes orgânicos e o controle de pragas e doenças deve ser feito biologicamente. Tais práticas de cultivo ajudam a manter um ambiente saudável e limpo. Após a colheita, os grãos precisam ser processados em torrefadoras certificadas para serem vendidos como cafés orgânicos. A certificação oficial requer que as fazendas sejam submetidas a testes durante três anos, e depois a cada ano, para verificar se estão sendo usadas práticas de cultivo aceitáveis.

O selo de certificação é a garantia do consumidor de adquirir produtos orgânicos isentos de qualquer resíduo tóxico, afirma o IBD – Instituto Biodinâmico, que fiscaliza e certifica produtos orgânicos no Brasil de acordo com normas internacionais. Apesar de ter maior valor comercial, para ser considerado como pertencente à classe dos cafés especiais, o café orgânico deve possuir especificações qualitativas que agreguem valor e o fortaleçam no mercado. Produzido na região da Alta Mogiana, Interior do Estado de São Paulo, o Café IAO é um dos pioneiros do café orgânico na região. Certificada pelo IBD, a marca cultiva os grãos sem agrotóxicos, possuindo maior vitalidade em comparação aos alimentos tradicionais, além de um profundo respeito ao meio ambiente. O Café IAO coloca a região em destaque na produção de cafés especiais com um toque sofisticado e sabor diferenciado.

Gourmet brasileiro

O mercado de café sofreu transformações nos últimos tempos. As pesquisas da ABIC, segundo a Nielsen, continuam mostrando uma elevada penetração do café entre os consumidores. A bebida está presente em mais de 98% dos lares brasileiros.

O mercado crescente para os cafés especiais e de qualidade diferenciada tem incentivado os investimentos dos produtores. A chamada “terceira onda” demonstra o crescimento da procura por grãos especiais. O segmento de cafés especiais representa, hoje, cerca de 15% do mercado internacional da bebida. O valor de venda atual para alguns cafés diferenciados tem um sobrepreço que varia entre 30% e 40% a mais em relação ao café cultivado de modo convencional. Em alguns casos, pode ultrapassar a barreira dos 100%, segundo dados da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, sigla em inglês).

Como exemplo do crescimento do segmento, verificamos que há 15 anos era muito difícil encontrar café gourmet, dado a ausência da fabricação industrial do produto no Brasil, sendo a matéria-prima toda exportada. Atualmente, já existem mais de 200 marcas brasileiras no mercado. O ritmo de crescimento do consumo interno reforça a necessidade de estimular o consumo de café investindo muito mais em marketing, publicidade, diferenciação e inovação de produtos. O comportamento dos consumidores tem sido o de ampliar a experimentação e valorizar os produtos com melhor qualidade, certificados e sustentáveis. A publicidade institucional deve servir para orientar, educar e difundir conhecimentos sobre café e suas qualidades, ensina Takamitsu Sato, presidente da ABIC.

A cadeia de distribuição da bebida, normalmente, apresenta modelo de distribuição direta (portal corporativo, loja dos fabricantes ou venda porta a porta – mais comum no interior do país) ou de forma indireta, com vários níveis intermediários, quais sejam os off-trade, tais como atacadistas, varejistas e lojas especializadas e/ou os on-trade, como cafeterias, padarias, bares, restaurantes e hotéis. O crescimento no número de cafeterias tem sido o grande responsável pelo aumento na distribuição de café no canal on-trade, especialmente para o café gourmet, e é motivado pelo aumento do hábito de consumo de cafés especiais, mas a expansão em si é também diretamente responsável pelo aumento das vendas do produto, conforme demonstrado em estudo sobre o mercado brasileiro de café, do SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas.

Valorização da marca, conhecimento corporativo, sustentabilidade, rede de relacionamentos e capital intelectual garantem distinção, rentabilidade e margem às empresas (Foto: Iapar – Paraná)

No Brasil e no mundo

De todo o volume de café gourmet consumido no mundo, 15% são produzidos no Brasil, maior fornecedor global do grão. Porém, a safra, antes exclusivamente direcionada ao mercado externo, já encontra no Brasil uma parcela considerável de consumo, que cresce significativamente ano a ano. O maior cliente do mercado de café gourmet do Brasil é o próprio brasileiro.

O consumo interno de café é de aproximadamente 20 milhões de sacas, de acordo com as estatísticas da ABIC. Deste total, mais de um milhão de sacas são de cafés especiais. Esse avanço do consumo de cafés especiais no Brasil, com maior penetração no varejo do país, incentiva organizações como a OIC – Organização Internacional do Café – a aplicar programas de estímulo ao consumo interno em outros países. Na mesma linha, os exportadores brasileiros querem que o café nacional aumente sua participação no exterior.

O especialista Victor Ferreira aponta que a Europa também consome muito café brasileiro, sendo a Alemanha o maior importador de grãos de café atualmente. Os campos alemães não produzem café, no entanto, as maiores torrefações do mundo se encontram no país, levando-os a comprar a matéria-prima e revender o produto já pronto para consumo. Países como Itália, França, Espanha, Noruega, Estados Unidos, Japão e Emirados Árabes são grandes exportadores do nosso café gourmet. São mercados tradicionais e que prezam pela qualidade. A expansão do café gourmet na Europa se dá principalmente em países mais tradicionais, mais antigos por questões de costume. O mercado emergente, como o Leste Europeu, que está começando a consumir a bebida agora, ainda está em processo de adaptação, explica o coordenador de torrefação.

Perfil do consumidor

Novos hábitos de consumo, informações mais acessíveis, modismos e o desenvolvimento de novas tecnologias a todo momento refletem as transformações pelas quais a sociedade passa. Com toques sofisticados e cada vez mais gourmet, o café especial agrada uma parcela da população que aprecia e busca diferenciação em um dos produtos nacionais mais tradicionais. Porém, não são apenas as classes A e B que consomem a bebida fina. A classe C se destaca por investir em produtos com o status.

O consumidor brasileiro está cada vez mais exigente, de paladar mais apurado e educado para o consumo, assim como os conhecedores de vinho, que sabem a origem e as características das bebidas, ensina Carlos Ferreirinha, consultor e palestrante especialista no mercado Premium e comportamento do consumidor. Um cliente que está melhorando a sua percepção sobre a qualidade e as diferenças entre cafés.

Inovação é a palavra-chave para o consumidor moderno. Principalmente para atrair o consumidor jovem que espera produtos novos, com sabores, aromas diferentes e praticidade. Os clientes não compram produtos apenas pelo seu valor prático ou econômico. Eles demonstram compreender os valores intangíveis e o significado daqueles bens em suas vidas. E até mesmo percebem que tais produtos ajudam a defini-los da maneira como desejam ser entendidos pela sociedade.

Busca por melhorias

Os produtores entendem a realidade de crescimento do mercado, bem como a demanda que cresce a cada dia por um produto de qualidade, diferenciado e valor intangível, elevando a produção de cafés especiais, que cresceu consideravelmente nos últimos anos, contribuindo ainda para que o Brasil saia da condição de exportador de matéria-prima ou commodities para produtos derivados de qualidade. Um negócio que reflete uma maior rentabilidade para os cafeicultores, principalmente para o produtor de áreas montanhosas, que tem um custo mais elevado e por essa razão precisa de uma renda maior.

Em um mundo cada vez mais globalizado, a profissionalização, a busca de novas tecnologias e novos padrões de qualidade por parte do produtor rural são uma necessidade real. “Estamos falando de um produtor que não apenas se preocupa com o processo produtivo, mas também com ações administrativas, acompanhamento da gestão, além da análise agronômica e financeira, afirma o coordenador da Cocapec, Victor Ferreira.

O setor cafeeiro no Brasil ainda não possui a tecnologia apropriada para a gestão agrícola de propriedades, porém, o setor tem se profissionalizado e buscado novas alternativas na administração do negócio. E apesar da crescente utilização de ferramentas tecnológicas, ainda é preciso melhorar os sistemas que atendem às necessidades específicas do produtor.

Num mundo cada vez mais globalizado, a profissionalização, a busca de novas tecnologias e padrões de qualidade por parte do produtor rural são uma necessidade real (Foto: Banco de imagens)

Da inovação ao sucesso

Inovar constantemente é o segredo de qualquer mercado. No mercado de café gourmet, a inovação que leva à diferenciação está relacionada a vários fatores. Inovar, por exemplo, na forma de extração do grão. A indústria cafeeira vem se modernizando e trazendo novas tecnologias e técnicas que elevam o mercado. Para atender à demanda que surge, os produtores têm investido em tecnologia de ponta para manter os padrões de excelência.

“Outro grande desafio é atrair as novas gerações para o consumo da bebida. As máquinas são uma tecnologia que possibilita a disseminação da bebida entre esses novos consumidores”, explica Ferreira.

Diversificação

Tanto na tecnologia quanto na diferenciação de sabores e paladar, o consumo de café em monodoses, seja na forma de cafés expressos, cafés em sachês ou em cápsulas, está crescendo acentuadamente. Apesar de estar presente em apenas 1% dos lares no final de 2014 (474 mil lares), a expectativa das empresas que atuam neste segmento é a de crescer até 20% dos lares até 2024.

Sofisticadas e práticas, com os seus contornos suaves e sua gama de cores, as cápsulas estão ganhando cada vez mais destaque. Além de agregar grande valor ao produto, têm atraído cada vez mais os consumidores pela praticidade. No início de 2015, inúmeras empresas de menor porte anunciaram sua entrada no segmento de cápsulas, acompanhando as gigantes do setor que já atuavam com grandes investimentos, refletindo uma tendência de crescimento firme.

A Nespresso, subsidiária da Nestlé, é uma das pioneiras na tecnologia inovadora, trazendo o café gourmet em cápsulas. A marca desenvolveu um método exclusivo para a embalagem de seu café em uma cápsula de alumínio hermeticamente fechada. Essa cápsula tem um lacre pressurizado que preserva os 900 aromas do café recém-moído por 12 meses. Cada Grand Cru Nespresso (como chamam as cápsulas) oferece uma diversidade de aromas e sabores para as mais distintas preferências pessoais. Visual, aroma, gosto e retro gosto são elementos diferentes que podem ser utilizados na degustação completa do café.

“Em todas as Boutiques Nespresso, o consumidor, além de degustar os Grands Crus, pode se deparar com diversos modelos de máquinas e acessórios da marca”, afirma Mariana Vieira, assessora de comunicação da empresa. O exclusivo sistema de máquinas e cápsulas traz modelos modernos, com alta tecnologia e design diferenciado.

A marca ainda investe em projetos sociais como o The Positive Cup, que incorpora ambiciosas metas nas áreas de fornecimento de café e bem-estar social, fornecimento, uso e descarte de alumínio e resiliência à mudança climática. Uma oportunidade de engajar seus clientes a contribuírem efetivamente com o meio ambiente, especialmente quando se trata de reciclagem de cápsulas, gerando uma responsabilidade partilhada.

Que tal uma xícara?

A experiência do café vai além do paladar. A commodity posiciona o Brasil como o maior player no mercado cafeeiro mundial. E o mais surpreendente, como as empresas encontraram uma forma de diferenciação em um mercado tão tradicional. A valorização da marca, o conhecimento corporativo, a sustentabilidade, a rede de relacionamentos e o capital intelectual garantem a distinção, rentabilidade e margem das empresas. Como negócio, o mercado de cafés especiais está alinhado e focado na excelência, na precisão, na qualidade surpreendente e, acima de tudo, no tratamento pelos detalhes.

E além de excelência na matéria-prima, é necessário o tempero do fascínio que causa no consumidor. O mercado de café gourmet traz uma nova dimensão ao mundo do café, que alia paladar, experiência de consumo e estética. Mais do que uma bebida, vendendo uma experiência única, emocional. E como acontece com o café, quando a experiência atinge o emocional, é muito mais poderosa. E quem resiste aquele doce aroma de café que invade o ambiente e desperta sensações?

Mercado de café gourmet alia paladar, experiência de consumo e estética (Foto: Banco de imagens)