Café em baixa
Em países americanos, agricultores estão mudando de atividade; em Franca, isso ainda não acontece, mas há acúmulo de dívidas
Pedro Klein
Foto acima: No Brasil, segundo dados da Conab, há 2,16 milhões de hectares de cafezais, 14,8% em formação e 85,2% em produção
Em todo o mundo, durante o ciclo de produção de 2017 e 2018, foram consumidos, segundo a Organização Internacional do Café, mais de 9 bilhões de quilos de grãos de café, um aumento de 2,2% em relação ao biênio anterior.
Apesar disso, o preço internacional da commodity acumula uma baixa histórica. Em abril, no auge da safra 2019, o contrato de mercado futuro na Bolsa de Nova Iorque estava em US$ 0,96 por libra de café em grão, o preço mais baixo em mais de 13 anos.
O mínimo necessário para cobrir os custos de produção numa fazenda de café na América Central, onde os salários são mais baixos e as terras mais baratas, é de US$ 1,20 a US$ 1,50 por libra. Em Franca, esse custo pode chegar a R$ 24,00 a libra. E a queda nos preços é histórica: na década de 1970, ajustando a inflação, o grão custava US$ 2,25 o quilo.
A queda expressiva de preços está causando grave caos social na América Latina. Falando para o Financial Times, John Steel, da Cafédirect, comercial de Fair Trade Coffee (Café de Comercialização Justa em inglês, certificação da Organização Internacional do Café que garante que os direitos humanos e trabalhistas foram respeitados no processo produtivo), afirmou que a volatilidade nos preços está “destruindo a subsistência” dos pequenos cafeicultores.
No Peru, trabalhadores estão abandonando a zona rural, enquanto os mais jovens não veem mais perspectiva no cultivo. Na Guatemala, há casos de proprietários abandonando suas terras, enquanto na Colômbia se revertem os avanços do acordo de paz com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), ao forçar os camponeses do sul do país de volta ao cultivo da coca.
Perguntamos como está a situação na região. Segundo Gustavo Leonel, produtor da Fazenda Bom Jardim, de Franca, e membro da AMSC (Associação dos Produtores de Cafés Especiais da Alta Mogiana), a queda dos preços atrapalhou muito as cadeias produtivas. Os cafeicultores estão com dívidas acumuladas e necessitadas de renegociação, mas ainda não se fala em abandono da atividade.
Existem duas explicações para a baixa tão agressiva nos preços das sacas. A primeira é o excesso de oferta. O ano de 2018 teve um acúmulo de circunstâncias: o clima foi muito favorável às culturas, justamente no ano mais produtivo das plantações, que seguem um padrão de bienalidade. Foi um período particularmente bom para a variedade Arábica, a mais consumida no exterior.
Como as sacas de grãos têm validade de até um ano, quando a safra de 2019 começou, os armazéns internacionais ainda estavam cheios. Com pedidos e contratos escassos no último trimestre de 2018 e primeiro trimestre de 2019, era de se esperar que os preços tivessem uma queda tão acentuada.
Safra 2019
Para a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a safra de 2019 apresentará uma redução de 17,4% em relação ao ano anterior, principalmente devido à bienalidade natural da planta, mas também por causa do regime de chuvas escasso, temperaturas elevadas no início do ano e pela redução das áreas de cultivo.
No Brasil, ainda segundo dados da Conab, há 2,16 milhões de hectares de cafezais, 14,8% em formação (o pé de café demora até quatro anos do plantio à primeira safra) e 85,2% em produção. O número representa uma redução de 1,1% em relação ao ano anterior.
A safra recorde, todavia, não explica a queda histórica nos preços da commodity. Alguns especialistas atribuem ao mercado de torrefação. As empresas que torram, moem e distribuem o café estão em um mercado extremamente competitivo e cada vez mais especializado. Isso força as principais torrefações a trabalhar com margens de lucro cada vez mais estreitas.
Num cenário de excesso de oferta de matéria-prima, como o registrado nos últimos cinco anos, as distribuidoras e intermediários encontram um alívio orçamentário ao repassar uma parte dos custos e prejuízos aos produtores.
Segundo Nathan Herszkowicz, presidente executivo do Sindicato da Indústria do Café do Estado de São Paulo (Sindicafé), as gerações mais novas, dos 16 aos 45 anos, estão se tornando os maiores consumidores da bebida, e está ocorrendo um rompimento de paradigma com relação às pessoas mais velhas. Agora, os consumidores estão voltados à experimentação, apesar dos preços mais altos.
“Essa geração,” relata Herszkowicz, “consome mais e melhor, compara produtos, experimenta acessórios de preparação distintos, visita e escolhe suas casas de café preferidas, o que explica o crescimento da categoria de cafés gourmet.”
Ele, todavia, contesta a tese de que há um excesso de torrefações no mercado. “O setor torrefador tem um histórico de elevada competição entre as milhares de marcas distribuídas em todo país. Existe, entretanto, uma forte presença das dez principais marcas, que respondem por 75% a 80% do consumo. O movimento de consolidação continua em ritmo forte, com aquisição de marcas e mesmo de empresas integralmente.”
Para enfrentar a crise, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) reajustou duas vezes esse ano, em fevereiro e em abril, o preço mínimo da saca de café, uma variação total de 2,46%, estando, até o fechamento desta reportagem, em R$ 341,21. Também se discute, desde maio, novo reajuste para a próxima safra.
Perguntamos a Leonel sobre a atuação dos governos estadual e federal e como eles estão lidando com a crise. “Quanto às políticas públicas, elas sempre deixam a desejar. Infelizmente, o apoio poderia e deveria ser muito maior.”
Herszkowicz, por sua vez, se encontra satisfeito com o apoio governamental, apesar da necessidade de aportes massivos por parte do setor privado na divulgação da cultura brasileira no exterior. “O agronegócio café do Brasil tem ocupado espaços, ampliado a presença no mundo e tende a consolidar a sua atual liderança por muitos anos à frente.”
Nesse paradigma, a situação para os cafeicultores dificilmente será revertida sem alguma mudança drástica no mercado. Resta saber se os produtores conseguirão se adaptar.