Espírito do tempo

Esperança nos cavalos

No interior de São Paulo, esses animais contribuem na reabilitação de crianças e adultos com problemas de locomoção  

Luciana Garcia

Foto acima: A equoterapia é considerada uma prática biopsicossocial, por estimular diversos aspectos na relação com os cavalos (Divulgação)

 “Milagre operado por estudiosos ou ciência feita por anjos? A equoterapia é um pouco dos dois”.

Este é dos pensamentos que constam num material de divulgação da Associação de Equoterapia Vassoural (AEV), localizada na Fazenda Vassoural, em Pontal. Todo mês de novembro, fotos e textos sobre o trabalho ilustram uma miniexposição que fica à disposição do público que comparece a um evento que vem se tornando tradicional: uma cordeirada, na própria fazenda, que arrecada recursos para a continuidade do projeto, que existe desde 2003.

Em meio a shows musicais, leilões e pratos generosos à base de cordeiro, os participantes conhecem a iniciativa, que já fez mais de 22 mil atendimentos, oferecidos a mais de 500 praticantes. Atualmente, são 41, não só de Pontal, mas de Sertãozinho e região, com idades entre cinco e 39 anos, que recebem os cuidados de seis profissionais, numa abordagem interdisciplinar: duas educadoras físicas, uma psicóloga, uma fisioterapeuta, uma pedagoga e uma enfermeira.

A fisioterapeuta Elaine Cristina Soares Leite é a coordenadora técnica do projeto. Segundo ela, os praticantes são frequentadores das APAEs dos municípios contemplados ou pessoas em tratamentos médicos, que precisam de complementação por meio da equoterapia. “Temos praticantes com alterações neurológicas, ortopédicas, comportamentais, síndromes educacionais, entre outras”, explica. De segunda a sexta, das 8h às 17h, a fazenda, famosa por ter pertencido a Francisco Schmidt, que ficou conhecido como o “Rei do Café”, se agita para as atividades da equoterapia.

Marcha do cavalo imita andar humano e contribui para autonomia do praticante (Foto: Divulgação)

A fazenda está, hoje, nas mãos da família Biagi. Beatriz Biagi Becker, que preside a AEV, tem larga experiência com cavalos. Ela começou a criação em 1985. Tem mais de 100 animais, dos quais sete são direcionados para a equoterapia. Uma das lutas, segundo ela, nesses mais de 40 anos de pecuária, tem sido para popularizar os cavalos. Não só como um mercado, mas como alternativa em tratamentos de saúde.

São quatro modalidades oferecidas na Vassoural. A hipnoterapia, direcionada a alterações neurológicas mais severas, a educação/reeducação, voltada à redução de problemas comportamentais nas escolas, o pré-esportivo, que consiste em preparação para competições, e o esportivo, para enduros equestres e maneabilidade adaptados.

Todo ano, a fazenda organiza um evento esportivo, para que os praticantes possam demonstrar suas habilidades, o que vem gerando resultados também externos. Em 2015, no Campeonato Paulista de Paraenduro, a Vassoural conquistou 3º e 4º lugares.

Conheça

A equoterapia é conhecida, também, como equiterapia ou hipnoterapia. Trabalha a evolução psicomotora de adultos e crianças. Muito usada na recuperação de pessoas com problemas de equilíbrio e locomoção, começou a ganhar popularidade após a Primeira Guerra Mundial, na Europa, quando os soldados eram colocados para cavalgar visando reduzir traumas provocados pelos combates. No Brasil, a prática passou a ter notoriedade a partir de 1989, em Brasília, estendendo-se, aos poucos, a outras localidades.

Praticantes da Vassoural são preparados para competições de paraenduro (Foto: Divulgação)

É praticada, geralmente, ao ar livre. O contato com o animal favorece não só a segurança e a autoconfiança. É, também, uma relação afetiva. Com uma abordagem diferenciada de outros métodos terapêuticos, possibilita o desenvolvimento biopsicossocial, ou seja, trabalha, de forma integrada, todos os aspectos ligados à genética, ao psicológico e ao social dos praticantes.

Para o fisioterapeuta especializado em recuperação neurofuncional e habilitado em equoterapia Matheus Capel, de Franca-SP, o método garante inúmeros benefícios para o desenvolvimento humano. “Nosso trabalho na equoterapia traz efeitos positivos, como a melhoria do equilíbrio e postura, coordenação motora, adequação do tônus muscular, funcionamento dos órgãos internos e, consequentemente, a evolução do desenvolvimento neuropsicomotor”.

Capel explica que há todo um preparo antes de começar a atividade, como a necessidade de realizar alguns exames preliminares, que permitem criar estratégias personalizadas a cada interessado.

De acordo com Júlia Fernandes, mãe de Wallace de oito anos, também de Franca-SP, a equoterapia trouxe resultados bastante visíveis. “Ao longo dos cinco anos em que meu filho pratica, pude perceber uma melhora significativa no equilíbrio dele, na postura e, ainda, no comportamento.”

Apesar de ser muito conhecida na reabilitação de pessoas com dificuldades de locomoção, ela pode, como qualquer outra terapia, ser buscada como atividade não exclusivamente para este fim, mas para qualquer situação que vise ao bem-estar e à qualidade de vida.

“Atendemos pessoas que possuem algumas necessidades especiais, no caso patologias neurológicas, mas também recebemos outras com quadros de depressão, ansiedade e que precisam de estimulação precoce“, conta Roberta Gimenez, psicóloga há 13 anos e proprietária do Centro de Equoterapia que leva em seu nome, em Franca.

A equoterapia considera as várias raças de cavalos, não focando apenas em uma, segundo ela. O importante é que se enquadre nos pré-requisitos exigidos para o trabalho. Por outro lado, a seleção não é tão fácil, já que não basta os animais serem mansos. “Eles devem ter aprumos corretos, altura adequada, não possuir vícios e, de preferência, que sejam adultos ou mais velhos.”

Mateus com a filha, Manuela Capel, praticante da equoterapia (Foto: Divulgação)