Efeito remoto
Como a suspensão das aulas presenciais por causa da pandemia de Covid-19 impactou a vida de estudantes francanos
Lucas Faleiros
Foto acima: Fábio Mariano não esperava que seu primeiro ano na faculdade fosse ocorrer de maneira tão incomum (Acervo pessoal)
Não é mistério para ninguém que a chegada da pandemia do novo coronavírus alterou a vida de forma inimaginável. À rotina dos estudantes, o período de distanciamento e as medidas restritivas trouxeram dificuldades e podem acabar gerando sequelas no aprendizado.
A única alternativa viável encontrada por instituições de ensino para substituir as aulas presenciais e manter a saúde de funcionários e alunos, o método remoto síncrono, em que professores e alunos conversam ao vivo por meio de uma sala virtual, tem pontos positivos, como a possibilidade de rever aula no aconchego de casa, mas o “novo normal” do mundo acadêmico, combinado com os efeitos da crise, acabou, em contrapartida, gerando desgaste.
Fábio Henrique de Sousa Mariano, de 19 anos, cursa Sistemas de Informação. Conta que não esperava que seu primeiro ano na faculdade fosse acontecer de maneira tão incomum. “Depois de uma semana com as aulas paralisadas, recebemos a notícia de que as disciplinas passariam a ser ministradas remotamente. Entrei na faculdade totalmente focado e pensando em dar o meu melhor. Porém, a experiência que imaginei era totalmente diferente. A gente acabou um pouco desestabilizado por causa de tudo o que aconteceu.”
O universitário defende o esforço dos educadores, mas crê que ele e seus colegas foram prejudicados. “Não posso reclamar de maneira alguma do empenho dos professores nas aulas síncronas. Estão muito focados e fazem tudo que está ao alcance deles. Mas algumas matérias acabam sendo explicadas de maneira muito rápida e acabamos nos perdendo. Por mais que tenha como nos comunicarmos, não é igual a uma aula ao vivo. Além disso, a minha dedicação caiu. Não posso dizer o mesmo quanto ao meu desempenho, já que não havíamos feito nenhuma prova presencial, pelo pouco tempo de aulas na própria faculdade. Mas o nosso foco acabou afetado. Os alunos ficaram um pouco desmotivados com toda essa situação.”
De acordo com Mariano, um futuro retorno bem organizado das aulas presenciais pode ajudar muitos alunos. “Acredito que boa parte dos problemas enfrentados será resolvida. Isso com relação ao nosso foco e dedicação. Digo que precisa ser tudo bem pensado para que não haja um acúmulo de responsabilidades. Esperamos que as coisas se normalizem da melhor forma. Essa volta é muito almejada. Caso o próximo ano letivo tenha que ser feito todo de maneira remota também, penso até mesmo em trancar o curso”.
Ana Laura Chieregati de Sousa, de 19 anos, está no primeiro ano de Letras. Para ela, o ensino remoto síncrono era novidade. “Sinceramente, não fazia ideia de como seria. Afinal, nunca estudei assim. O modelo é, realmente, mais estressante e desgastante do que as aulas presenciais, o que acaba influenciando no desempenho. Porém, a faculdade e os professores têm sido bem compreensivos com a gente. Mesmo num período que tem sido muito difícil, não perdemos nenhum conteúdo”.
Ana Laura ainda diz que as dificuldades trazidas com a adoção da modalidade não foram capazes de fazê-la perder a paixão por sua área de aprendizado e que consegue enxergar pontos positivos nesta realidade momentânea. “Acredito que meu desempenho poderia ser melhor com as aulas presenciais. Entretanto, devido à dificuldade de concentração no remoto, acabo me dedicando mais a estudar em momentos extraclasse, revisando as matérias apresentadas ou, até mesmo, assistindo tudo novamente. Esse curso que faço é o meu sonho e tudo o que aconteceu não foi suficiente para fazer com que eu o abandone”.
Iara Pinheiro Rocha cursa Direito. A estudante de 20 anos, a exemplo de Ana Laura, conseguiu extrair coisas positivas em meio ao contexto caótico criado pela pandemia. “A minha experiência de estudo nos últimos meses tem sido melhor que o esperado. O sistema adotado pela faculdade e pelos professores é bom. Eles gravam as aulas e as deixam disponíveis para assistirmos quando pudermos. No horário em que seriam realizados os encontros presenciais, discutimos as dúvidas virtualmente. Além disso, me trouxe um pouco mais de comodidade e aflorou meu lado autodidata. Ainda assim, sinto que aprendi realmente apenas as matérias que gosto e que me dediquei mais. No geral, penso que sou privilegiada por ter tirado algo bom disso tudo, pois tenho consciência que vários outros alunos tiveram perdas gigantescas.”
Gabriel Campos Barbosa, de 18 anos, que cursa Ciência da Computação, por exemplo, é um dos que sentem falta das aulas presenciais. “Não tem sido algo benéfico para mim. Tenho dificuldade para aprender sozinho, em casa, e as aulas online fizeram com que eu perdesse a empolgação e a motivação de estar na faculdade. Isso vale principalmente para quem começou o curso em 2020, como eu. Para se ter uma ideia, muitos da minha sala abandonaram o curso”.
Estudante de Publicidade e Propaganda, Marcela Ávila, de 18 anos, também tem passado por dificuldades no cotidiano de estudos. Ela até gostou dos primeiros momentos de aprendizado em casa, mas sentiu um desgaste. “No primeiro semestre, gostei da dinâmica. Mas, com o passar do tempo, acho que todo mundo se desgastou. Ficou muito difícil para nós e para os professores. O pior de tudo foi a diminuição brusca de interação. Fazer trabalhos em grupo, que, no ramo da comunicação, é algo muito comum, se tornou extremamente árduo.”
Fernanda Ribeiro, de 18 anos, faz Odontologia. Para ela, o início das aulas remotas foi complexo. No entanto, com o passar do tempo e a adaptação, ela foi se acertando. “No começo, estava meio difícil realizar as tarefas e extrair o melhor das aulas. Mas, conforme foi passando, começamos a nos adaptar. A gente começou a pegar o jeito da coisa e tudo melhorou”.
Dificuldades também nas escolas
A crise da Covid-19 não trouxe mudanças apenas para os universitários. Os estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio também foram atingidos e precisaram se readaptar de forma súbita, realizando trabalhos e provas em suas residências num ritmo bem diferente do que o de costume.
Lívia Helen, de 17 anos, terminou o 3° ano Ensino Médio e conta que a pandemia acabou gerando uma confusão no calendário escolar. “Recebemos a notícia de que as aulas seriam remotas mais de um mês depois de tudo ser paralisado. Com isso, o período em que ficamos sem ir à escola funcionou como uma espécie de antecipação das férias do meio do ano. Em todo esse tempo sem as aulas presenciais, acredito que a instituição fez todo um trabalho de adaptação com os professores, para que eles tivessem uma adesão melhor à nova plataforma de ensino.”
Para a jovem, não foi fácil se acostumar ao novo método. Ela relata que seu desempenho caiu durante a pandemia e acredita que precisaria de uma revisão para os vestibulares. “Esperava que a nossa experiência fosse boa e que tudo daria certo. Mas não foi bem assim. Na verdade, foi totalmente ao contrário. A gente se acomoda por estar em casa e acaba tendo a atenção desviada muitas vezes.”
Todavia, Lívia não culpa os seus orientadores pelas dificuldades enfrentadas. “A respeito das minhas aulas, não posso mentir. Foram muito boas. Meus professores estavam sempre muito presentes e dispostos. A gente não tem nada para reclamar deles. Fizeram um esforço muito grande para que as aulas acontecessem”.
Camilly Braga Teles, de 17 anos, também encerrou o Ensino Médio. Ela afirma que o modelo remoto, por mais que tenha falhas e precise de algumas correções, é um ganho para os estudantes. “Esse jeito de ensinar revolucionou a nossa geração, já que, em anos passados, jamais imaginaríamos que teríamos a oportunidade de continuar estudando mesmo perante uma pandemia. Infelizmente, as aulas online não atingem toda a população e são bem exaustivas, o que acaba levando muitos alunos a desviarem seu foco. Sei que meus professores estão dando o melhor deles para que as aulas tenham qualidade, mas acabamos não tirando o mesmo proveito, devido ao fato de estarmos cansados de tudo o que está acontecendo ao nosso redor.”
Ela diz que foi pega de surpresa com a longa duração da pandemia e que acabou, a exemplo de muitos, tendo sua dedicação prejudicada com as mudanças. “Jamais imaginaria que iria precisar ficar em casa por mais de nove meses. Se ouvisse isso no início, ia achar que não daria conta de chegar onde cheguei. Mesmo assim, meu desempenho caiu bastante. Estudar em casa é cansativo e lutar contra a preguiça e os desvios de atenção é muito difícil”.
Camilly também acha que não serão só os alunos do último ano do Ensino Médio os afetados pela crise. “Por estar no terceiro ano, não voltarei mais para a escola. Penso que tudo o que aconteceu deve influenciar meus resultados nos vestibulares. Porém, os estudantes que ainda estão em anos anteriores e vão para a escola quando as aulas presenciais voltarem terão dificuldades. Vai ser um acúmulo de compromissos muito grande, já que um conteúdo precisa do outro e nem tudo pôde ser bem abordado no novo modelo.”
Do outro lado da tela
As pessoas que administram ou participam do processo educativo nas escolas e faculdades também sentiram na pele o surgimento das várias adversidades trazidas pelo surto de Covid-19. José Saraiva, vice-diretor de uma faculdade, acompanhou de perto todas as etapas de adaptação vivenciadas por alunos e professores, e afirma que, realmente, muitos estudantes tiveram uma diminuição no rendimento escolar e isso pode ser notado por meio dos resultados de avaliações.
“Todos os alunos foram afetados nos aspectos financeiro, emocional e social. Em um universo com mais de mil universitários, podemos identificar vários cenários. Existem aqueles mais focados, que conseguem administrar plenamente suas vidas acadêmicas. Para eles, creio que o impacto na aprendizagem foi bem pequeno, se não nulo. Mas existe um contingente de alunos, talvez maior que o primeiro grupo, que teve seu rendimento escolar visivelmente prejudicado. Estes não conseguiram lidar bem com essa nova realidade de ensino-aprendizagem e encontraram obstáculos maiores, havendo até casos de trancamento de matrícula. Os exames finais nos dão os indícios da queda de rendimento de muitos deles.”
Apesar disso, Saraiva afirma que todos os profissionais da instituição fizeram de tudo para manter o nível das aulas e que foi possível melhorar em alguns pontos com o ensino remoto. “Acredito que a qualidade dos conteúdos foi preservada ao máximo. Os professores e a grande maioria dos alunos se dedicaram e tentaram se adaptar à nova realidade. É possível, no entanto, afirmar que nem tudo ocorreu com a mesma qualidade das aulas presenciais. As experiências de relação entre as duas partes envolvidas em uma sala de aula foram prejudicadas”.
O vice-diretor, contudo, vê lições de aprendizado que podem ser tiradas deste período triste para a sociedade. “Como em tudo na vida, os eventos adversos têm seus impactos negativos, mas têm também o seu lado positivo. Tivemos oportunidade de ver nossos alunos mais solidários, mais mobilizados pela dor do outro e tentando ajudar de múltiplas formas. O Diretório Acadêmico foi atuante e cuidou dos discentes com muito zelo nesses infindáveis meses, fazendo uma interlocução efetiva e produtiva com a direção. Fora isso, a equipe de funcionários, inegavelmente, se tornou mais coesa e disponível para ajudar.”
José Alfredo de Pádua Guerra, que é reitor de uma instituição, conta que houve um trabalho muito rápido para disponibilizar o novo sistema de aula para os alunos. “Tivemos apenas duas semanas para fazer todos os ajustes, a aquisição de licenças e liberar este método das aulas ao vivo. Sobre essa nova realidade de ensino, é claro, é bem diferente da das aulas presenciais, que são o perfil da nossa instituição.”
Ainda que enfrentando adversidades, José Alfredo diz que o resultado da experiência tem sido satisfatório. “Surgiram várias dificuldades no início, mas conseguimos cumprir o calendário acadêmico à risca. Os alunos que tinham algum problema para acessar a tecnologia tiveram todo o apoio da nossa equipe para que não perdessem nenhum conteúdo. No geral, observamos um bom aproveitamento em todos os cursos. Todo mundo se uniu para que as coisas funcionassem da melhor maneira. Houve, até mesmo, trabalhos excelentes apresentados pelos nossos estudantes e algumas turmas conseguiram se destacar ainda mais do que na modalidade presencial. Creio, também, que o cansaço visto em todos neste final de semestre é natural e ocorreria de qualquer forma”.
A rede pública de educação também precisou se mover para que as crianças e jovens tivessem acesso às aulas durante a pandemia. Gabriela Fernandes, professora de educação especial no Ensino Fundamental em Franca, relata que a união entre as famílias dos alunos e os educadores foi muito importante para que o rendimento não caísse tanto durante a pandemia.
“Estamos fazendo um trabalho conjunto com os pais e responsáveis dos estudantes. Acho que, muito por conta disso, não observei queda no desempenho deles. Claro, cada caso tem sua particularidade e, com certeza, esses alunos enfrentaram grandes desafios para se adaptar às aulas remotas. Porém, eles têm se mostrado muito ativos nas plataformas disponibilizadas para a realização das atividades. Estão demonstrando vontade de aprender e realizar as atividades propostas.”
A professora conta, ainda, que houve todo um esforço para que os professores conseguissem trabalhar de casa e que ninguém cogitava viver uma situação como a atual. “Nenhuma escola estava preparada para viver uma pandemia. Dessa forma, precisamos nos adaptar para trabalhar e atender nossos alunos com as melhores ferramentas que temos disponíveis e dentro das limitações de cada estudante. A equipe escolar tem se empenhado incansavelmente para atender a todas as demandas necessárias”.
Ainda de acordo com Gabriela, os professores já esboçam como será um possível retorno das aulas presenciais. “A ideia é retomar os conteúdos e habilidades de forma que sejam preenchidas as possíveis lacunas deixadas por esse período.”
O ex-secretário de Educação de Franca, Eduardo Guerra, enaltece o alto número de alunos que as aulas remotas alcançaram. “A Educação, assim como todos os outros setores, foi pega de surpresa. No entanto, na rede municipal, conseguimos criar estratégias para suprir tudo em um período de 15 dias. É necessário valorizar o engajamento de todos os profissionais envolvidos para minimizar os impactos pedagógicos causados pela pandemia. Isso vai desde os professores e funcionários das escolas até os servidores da Secretaria de Educação. Com todo o esforço, atingimos e atendemos 97% da rede com essa modalidade de ensino, segundo dados do acompanhamento pedagógico”.
Guerra também atribui o sucesso da implementação ao esforço dos pais e responsáveis dos estudantes, que precisaram se desdobrar para que tudo desse minimamente certo. “Eles assumiram um papel que nunca tinham realizado. Assim, podemos afirmar que, diante da situação, com as ferramentas disponíveis e o esforço mútuo de todos os envolvidos no cenário educacional, o melhor foi realizado”.
O secretário afirma que a volta às aulas nas escolas será um período de total readaptação e garante que os alunos não ficarão sobrecarregados. “O retorno vai exigir de professores, estudantes e pais muita paciência e atenção. Não haverá acúmulo de conteúdo. Podemos afirmar, porém, que existirá recuperação paralela para que as possíveis falhas pedagógicas que a pandemia deixou sejam corrigidas”.