Socorro aos refugiados
Com Estado ausente, ONGs assumem a responsabilidade de inserir, no mercado de trabalho, venezuelanos que chegam ao Brasil
Marcela Chiarelo
Rodrigo Caramori
Foto acima: Refugiados venezuelanos em Boa Vista (RR), no estado que é a principal porta de entrada deles no Brasil (Banco de imagens)
No Brasil, o trabalho a refugiados deveria ser respaldado pela lei 13.455, de 24 de maio de 2017, a chamada Lei de Migração. Ela prevê que, além de emprego, refugiados e imigrantes sejam providos quanto à saúde e segurança, para evitar, por exemplo, casos de violência provocados por xenofobia e racismo.
A lei é considerada por especialistas, como a advogada Maria Herminia Fuga Vaismenos, de Franca-SP, que trabalhou, por muitos anos, na Defensoria Pública, em assuntos como refúgio e direitos trabalhistas, como uma das que mais respeitam os direitos humanos no mundo. Mas, na prática, segundo ela, não é isso o que ocorre. As garantias, em muitos casos, acabam não saindo do papel. Diante disso, são algumas ONGs que assumem esta responsabilidade.
Foi o que aconteceu com os venezuelanos Darwim Olmedo, de 32 anos, e Carla Salazar, de 28, atendidos pela ONG Refúgio Brasil, em Mogi das Cruzes-SP. Eles ilustram a ausência de atenção do Governo e contribuem para evidenciar as lacunas que as instituições não governamentais tentam ocupar. São casados. Ele é economista, está no Brasil há um ano. Ela, administradora de finanças, veio um ano antes. E receberam, apenas, o apoio da ONG na busca por colocação profissional.
Darwin conta que levava uma vida sem problemas financeiros na Venezuela. Assim que explodiu a crise financeira por lá, nenhum dos membros da família, todos com curso superior, conseguia emprego. Passaram mais de um mês comendo apenas fécula de milho com limão e açúcar, no almoço e no jantar. “Então, comecei a trabalhar, na Venezuela, com um missionário brasileiro, de Catanduva-SP. Ele me levava várias vezes para Boa Vista [capital de Roraima] e me pagava um salário mínimo. Mas o salário mínimo caiu tanto na Venezuela que chegou a um dólar e meio, seis reais.”
A comida passou a ser racionada e os venezuelanos, para comprar dois ou três itens num supermercado, precisavam pegar senha. Apenas duas ou três pessoas eram atendidas por dia. “Você pergunta como a gente não morreu de fome? Só Deus”, afirma.
Carla precisou vir ao Brasil antes do marido porque teve um problema de saúde e não conseguia tratamento na Venezuela. Ficou, inicialmente, na casa da irmã em Roraima, também refugiada. Dividia o quarto com outras pessoas e tinha muita dificuldade de arrumar trabalho. Até que conheceu uma pessoa que vendia brincos e outros acessórios femininos na rua. “Mas vendia muito pouco. Nada, nada, nada”. Carla saía às 5h e voltava às 21h.
Começou, então, como doméstica, mas a patroa pagou, após 28 dias, pouco mais de R$ 300,00. “Ela disse que eu tinha que aceitar porque era venezuelana”. Foi, também, assediada sexualmente. Até que, em setembro de 2018, conseguiu ir para Uberlândia-MG, para uma palestra sobre refugiados, agora na companhia do namorado, atual esposo. Lá, receberam o convite para ir a Mogi das Cruzes. Na Refúgio Brasil, Darwim conseguiu uma colocação, atuando no atendimento a outros refugiados que chegam. Carla também conseguiu trabalho, como caixa de uma empresa que tem parceria com a ONG. “A ONG é uma grande bênção na minha vida, na de meu esposo. É importante para que possamos reinventar nossas vidas nesse lugar.”
Aumento
De janeiro a meados de abril de 2019, 17 mil pessoas haviam pedido refúgio no Brasil de acordo com o Conare – Comitê Nacional para os Refugiados –, órgão do Ministério da Justiça responsável por analisar as solicitações de permanência no nosso país. O número é bem parecido com o de todo o ano de 2015, quando 16 mil pediram autorização para ficar no Brasil. De lá até o final de 2018, o número de solicitações quase quintuplicou. De janeiro a dezembro do ano passado, os pedidos somaram 79 mil.
Ainda segundo o Conare, cerca de 77% dos pedidos de refúgio são de venezuelanos, por causa da crise econômica que afeta o nosso vizinho. O Brasil recebe essas pessoas, mas não consegue consolidar políticas públicas consideradas eficazes para acolhimento.
Os especialistas e ONGs ouvidos para a elaboração desta reportagem, que trabalham na causa dos refugiados, atribuem a ausência de políticas públicas a uma falta de planejamento do Estado brasileiro para atender às necessidades de quem busca abrigo aqui, o que se intensifica pelo fato de o Brasil ser muito procurado como destino. A imagem de uma nação tranquila e na qual reina a paz, construída sócio-historicamente, contribui para isso.
A legislação brasileira define refugiado como aquele que se vê obrigado a deixar seu país de origem por falta de condições de permanência. Graves crises humanitárias provocadas por guerras ou instabilidades políticas e econômicas forçam seus moradores a sair para outras nações. Entre as preocupações, está conseguir um trabalho que garanta a sobrevivência. No caso dos venezuelanos, a proximidade física com o Brasil favorece a entrada deles. A principal porta é o estado de Roraima.
100 mil venezuelanos
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 100 mil venezuelanos vivam no Brasil. Número que deve dobrar até o final de 2019, por causa do agravamento das condições financeiras na Venezuela. Mesmo com a maioria entrando por Roraima, muitos vão parar nas grandes metrópoles – como São Paulo e outras capitais –, por causa da ilusão de que elas oferecem condições melhores de vida. Quando chegam, se deparam com dificuldades extremas. Para não morrerem de fome, aceitam subempregos. Isso quando conseguem.
Ainda segundo a ONU, em pesquisa divulgada em 2017, mais da metade dos venezuelanos que estavam no Brasil naquele ano não gostaria de permanecer no país, por causa da exploração a que eles eram submetidos e por não conseguirem fazer, ao menos, três refeições por dia.
Outra ONG que ajuda a buscar trabalho no Brasil é a Fraternidade Sem Fronteiras, com sede em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Grande parte dos refugiados venezuelanos que procuram a entidade tem formação superior e espera que a passagem pelo Brasil seja temporária. Muitos têm o sonho de voltar à Venezuela para conseguir colocação profissional na área de origem.
Apesar da formação superior, o conhecimento que têm sobre a lei da migração brasileira, quando chegam, é pequeno. A ONG procura reverter esse cenário, mostrando que deveria ser do Estado a obrigação de acolher e oferecer estrutura para que os refugiados possam reconstruir a vida no Brasil.