Ensaios

O eu abutre

Ensaio feito em aterro sanitário busca promover discussão sobre as desigualdades sociais na sociedade contemporânea

Produção: Giovane Pedigone, Mayara Chenci e João Marcos Duarte

Orientação: Prof. Igor Savenhago

Foto acima: Local das fotos tinha a presença de abutres (Divulgação)

Este trabalho, que foi finalista do Expocom Sudeste 2017, na modalidade Ensaio Fotográfico Artístico, visa explorar a marginalização de classes sociais através de uma personagem alegórica, o homem transformado em uma ave que é considerada o símbolo da morte: o abutre.

O ensaio, desenvolvido durante as práticas experimentais da disciplina de Pesquisa Aplicada ao Projeto Experimental, na Unifran, em 2016, reflete sobre a transformação a qual são submetidos aqueles que já não se inserem mais nos padrões sociais. Conforme a criatura perde a forma humana, ela se reconhece como um animal renegado à vida de exclusão.

O consumo da carne putrefata, a fisionomia altiva e o porte implacável dos abutres fazem da ave o símbolo mais próximo da morte. Para sobreviver, o pássaro consome tudo o que perde a vida. A morada dele é o destino final de tudo o que a sociedade descarta. É dessa relação que surge a comparação inevitável que norteia este trabalho: seria o abutre a marginalização social animalizada?

A fotografia como manifestação artística também pode assumir um papel político ao questionar valores relativos à contemporaneidade. Assim, se analisa o comportamento de quem vive à margem da sociedade e se questiona a que ponto o homem se torna escravo do próprio homem.

Nesta série de fotografias, três recursos são utilizados como os principais pilares da proposta: O homem, a representação e caracterização animalesca, e a locação marginal.

Por meio do projeto, desafiamos o público a olhar para as obras e repensar suas atitudes e posições diante do “abutre” inserido na sociedade.

No ensaio, o personagem do homem-abutre está inserido em um contexto completamente ordinário, em uma locação marginal (aterro sanitário), que, teoricamente, representa o resultado da transição em que o homem se sente no convívio da exclusão social, política e interpessoal.

O local escolhido para produção das fotos foi o Aterro Sanitário de Batatais, cidade com aproximadamente 61 mil habitantes, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2016. O cenário condiz diretamente com a proposta da temática que seria desenvolvida no trabalho.

O Aterro de Batatais ilustra, portanto, a mensagem que o grupo pretende transmitir – um lugar distante, com muita sujeira e produtos podres. No dia do ensaio, havia no local também muitos abutres, que é a figura que o projeto trabalha. O ensaio durou cerca de três horas e trinta minutos (das 11h às 14h30), resultando em mais de 300 arquivos de imagem, sendo selecionadas apenas doze fotos para o Expocom.

Para reprodução dessa subjetividade na composição das imagens, foi necessário um planejamento anterior e durante as fotos. Foram utilizados dois recipientes com tinta preta. Conforme a tinta secava no corpo do modelo (João Marcos Duarte), era aplicada mais tinta. A quantidade também foi aumentando a fim de representar o processo de transformação do homem em abutre.

O ambiente, em certos pontos, é desértico e, em outros, sujo ao extremo, o que eleva possibilidades artísticas de se retratar um ser solitário e camuflado em meio ao lixo, que também é produto da rotina e se equipara ao próprio homem exilado e ao mesmo tempo pertencente aos aglomerados urbanos. Sob as lentes da câmera, esta figura imersa em solidão e exílio é apresentada de maneira grotesca, o que transpõe o efeito da marginalização de um indivíduo. A falta de pertencimento gera angústia e revolta ao homem, o que o torna animalesco.

A experiência de explorar a exclusão humana através da fotografia enriquece o debate sobre a desigualdade que existe na sociedade atual. Estar em um aterro sanitário, onde a vida existe em condições extremas – seja do catador em uma rotina insalubre ou da própria biodiversidade que existe ali, dos abutres aos animais peçonhentos –, instiga a sensibilidade de quem cria e também de quem observa as imagens.

A escolha de uma personagem para representar alegoricamente a rejeição social resultou em um ensaio que se aproxima do público de forma subjetiva. A “evolução” do homem-abutre pode ser acompanhada de diferentes aspectos pelo público, e deve servir como um catalisador de mudanças para a sociedade.