Transfusão sanguínea
Estudos do Fundecitrus apoiados pela Fapesp buscam viabilizar transferência de nutrientes entre espécies de laranja
Giovane Leite Pedigone
João Marcos Chagas Duarte
Foto acima: Fundecitrus recebeu R$ 223 mil reais para desenvolvimento de projeto da laranja vermelha (Banco de imagens)
Você já viu laranja vermelha? Se a resposta for negativa, não se preocupe, você não está sozinho. A grande maioria dos brasileiros ainda não conheceu a chamada Laranja Sanguínea. Famosa internacionalmente e dona de uma unicidade relacionada ao clima e aos seus nutrientes, esta laranja traz em sua composição substâncias capazes de prevenir o câncer de próstata, doenças cardíacas, obesidade e, ainda, retardar o envelhecimento. Digamos que, se a madrasta da Branca de Neve conhecesse esta laranja milagrosa, na certa não precisaria envenenar a mocinha para ser a mais bela. Conquistaria sua fonte da juventude com vários copos de suco durante o dia. E o melhor de tudo, sem mortes na história.
A citricultura brasileira, no entanto, está longe de um final feliz como nos contos de fadas. Por se tratar de um cultivo que exige cuidados extremos, já que existe uma infinidade de doenças e pragas que atacam e destroem plantações inteiras de laranjas, são necessários investimentos pesados em tecnologias e prevenções ambientais. Diante disso, a produção laranjeira é naturalmente mais cara e problemática do que a de outras culturas em nosso país.
Ao somarmos a essas complicações já conhecidas no plantio de laranjas o fato de que a produção do fruto segue em crise desde 2011, o sinal de alerta começa a piscar. Para a safra 2015/2016, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) anunciou, após a sua Pesquisa de Estimativa de Safra, que o cinturão citrícola de São Paulo e o sudoeste mineiro deverão produzir 278,9 milhões de caixas. Esse número é 9,7% menor do que a safra anterior, que produziu 308,8 milhões de caixas, e bem abaixo dos 428 milhões de caixas produzidas no país na safra 2011/2012.
Além disso, há também o enfraquecimento no consumo de sucos entre os principais importadores do produto. Entre 2003 e 2013, a América do Norte deixou de consumir, em média, 90 toneladas de sucos. Esse número equivale a uma redução de 25% em dez anos. Além disso, a quantidade necessária de caixas de laranjas para se produzir apenas 1 tonelada de suco concentrado – que é o modo como a fruta é vendida aos países que não a consomem “in natura” – cresceu 7% nos últimos sete anos. Antes, era necessário reunir cerca de 228 caixas para cada tonelada. Agora, é preciso de 282.
Mas onde entra a Laranja Sanguínea em tudo isso? Bom, primeiro você tem que saber que as laranjas mais comuns de serem comercializadas em território brasileiro são a Laranja Valência e a Pera, que prevalecem em todas as barraquinhas e hortifrútis do mercado. Só que estas laranjas são figurinha repetida no país. Suas propriedades nutritivas já são conhecidas e a propensão para doenças durante o cultivo é enorme.
Com o intuito de colaborar para a evolução da laranja brasileira, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) investiu em torno de R$ 223 mil no projeto de pesquisa realizado dentro do Fundecitrus. O fundo, no entanto, não está sozinho nesta empreitada. Existe uma parceria com institutos científicos da Espanha e da Inglaterra, que oferece um intercâmbio de conhecimento e mão de obra, além da colaboração do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Alimentos e Nutrição (Napan). Os recursos foram direcionados a fim de se desenvolver uma análise científica que verifique a validade da transferência de nutrientes da Laranja Sanguínea para as Laranjas Valência e Pera, de olho no potencial que existe entre os consumidores da fruta em nosso país.
A laranja do futuro
Conhecida pela sua cor vermelha, a Laranja Sanguínea é uma poderosa fonte de nutrientes. A tonalidade forte do vermelho é determinada pelas antocianinas, um fitonutriente com ação anti-inflamatória, hormonal, anti-hemorrágica, antialérgica e anticancerígena, além de conter uma propriedade rara, que se responsabiliza pela proteção contra os danos causados pelos raios ultravioleta. Este parentesco com o protetor solar pode atrair muitos consumidores preocupados com a saúde e, é claro, com a estética, pois, além da proteção solar, as antocianinas diminuem o envelhecimento precoce e a morte de células do corpo.
Outro fitonutriente que também surpreende devido as suas propriedades medicinais é o licopeno, potencial agente de combate ao estresse e à poluição, possui a capacidade de proteger as células do corpo humano, além de ajudar no tratamento de doenças cardiovasculares e câncer, dando destaque ao de próstata. Todavia, é importante não esquecer que os nutrientes encontrados nas laranjas consumidas no Brasil também estão presentes na Laranja Sanguínea.
A fruta, que é rica em vitaminas, só tende a ser melhorada com a pesquisa, que, no atual momento, está desenvolvendo atividades biotecnológicas para a transferência dos nutrientes da Sanguínea para a Valência. Logo após a conclusão desta fase, os pesquisadores irão analisar os benefícios destes compostos incorporados na laranja, trabalhando com modelos experimentais animais.
Injeção de ânimo
As pesquisas surgiram após as falhas tentativas de cultivo da Laranja Sanguínea (e também a Falsa-Sanguínea) no Brasil. As espécies não se adequaram ao clima predominantemente tropical do Brasil, já que precisam de noites muito frias e dias muito quentes, com uma variação de aproximadamente 20º C entre os períodos, para se desenvolverem adequadamente.
Além disso, com os nutrientes da Laranja Sanguínea sendo transferidos para as laranjas Valência e Pera, o brasileiro terá mais benefícios quanto à sua saúde. Um leque de nutrientes que se aglomeram em apenas uma fruta é o sonho de qualquer nutricionista.
Por fim, o produto final (um híbrido de laranjas) pode alavancar a exportação da citricultura brasileira e dar um fim à crise atual, além de aumentar a comercialização interna. “Sempre que temos algo em prol da saúde humana temos maiores chances de comercialização deste produto. Sendo assim, existe, sim, uma possibilidade de outros países se interessarem e solicitarem a compra do produto e não necessariamente os mesmos compradores atuais”, diz a pesquisadora Viviani Vieira Marques, que trabalha no projeto.