Queijo em maturação
Apesar de não ter atingido consumo de 7,5 kg por habitante/ano, esperado para 2020, setor segue confiante e crescendo
Heloísa Taveira
Foto acima: Média de consumo de queijos em 2014 no Brasil era de 5,1 quilos por habitante/ano; hoje, está em 5,8 (Banco de imagens)
O Brasil é um dos cinco maiores produtores de queijos do mundo, mas, por muitas vezes, sequer é incluído em rankings mundiais. Isso porque o país ainda não é considerado forte o suficiente em exportações. Além de revelar isso, os números apontam que o consumo nas famílias brasileiras é bom, mas ainda passa longe do que era esperado para este ano.
Em um estudo realizado pela Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (Abiq) em 2014, a estimativa era de um consumo de 7,5 quilos de queijo por habitante agora em 2020. No entanto, o resultado, observando o cenário atual, ainda está distante de alcançar essas expectativas. Na época, há seis anos, o consumo por pessoa crescia em média 300 gramas por ano.
Com a piora na economia e na renda, a previsão da Abiq foi refeita. As vendas em 2014, que batiam na marca dos 5,1 quilos por habitante, foram praticamente estabilizadas durante os últimos anos e a média, hoje, está em 5,8. Por diversos fatores, incluindo a pandemia do novo coronavírus, que gerou prejuízo na renda dos brasileiros, a visão é a de que, para o restante de 2020 e todo o ano de 2021, o crescimento seja desacelerado.
“Tivemos que reprogramar os 7,5 quilos por habitante para 2030. São dez anos que se perderam por inúmeros motivos, mas, de qualquer forma, o consumo continua subindo. Espero que, no próximo ano, quando refizermos este balanço, estejamos enganados e esse número se apresente mais alto”, afirma Fábio Scarcelli, presidente da Abiq.
Outro fato curioso que traz uma parcela de peso nesses dados é a dificuldade em transformar o “paladar queijeiro” dos brasileiros. Mais de dois terços da população, 69%, consomem apenas os chamados grandes commodities: muçarela, requeijão e queijo prato. Cerca de 25% são adeptos, também, dos queijos intermediários: frescos, fundidos, cremosos, coalhos e ralados. Somente 6% degustam os queijos especiais, que são do tipo mofos brancos e azuis, suíços, amarelos especiais, duros e semiduros.
Oscilações de preço
Muita gente se assustou com o preço dos lácteos nos últimos meses e isso aconteceu devido à escassez de leite no campo. Foi logo no início da pandemia de Covid-19, por conta de uma estiagem mais longa que atrasou a safra do Sul do país e também pela queda da importação de leite em pó do Mercosul. Num primeiro momento, no final de março, principalmente pelo cenário de incertezas, houve correria nos supermercados para abastecer. Depois, o consumo registrou grande queda e a indústrias se viram preocupadas pela falta de recebimento do leite.
Quando foram disponibilizadas as primeiras parcelas dos programas emergenciais do Governo Federal é que houve uma retomada no setor. Foram injetados R$ 40 bilhões na economia e esse dinheiro foi basicamente destinado à compra de alimentos, ou seja, a demanda aumentou e, no momento em que isso acontece, é natural que os ajustamentos de preço aconteçam.
O queijo muçarela foi um dos que mais sofreram alta nesse ajuste. Em abril, era possível comprar um quilo por, aproximadamente, R$ 12,00. Já em junho, os preços registrados estavam perto de R$ 22,00. De acordo com a Abiq, esta foi somente uma mudança sazonal no preço da matéria-prima. A associação não acredita que essa situação permaneça no segundo semestre.
Cícero Hegg, vice-presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios do Estado de Minas Gerais (Silemg), do estado que mais produz queijos no Brasil (25% da fabricação nacional), também prevê baixa nos preços, mas não como se mantinha antes da pandemia, pois o valor do queijo vinha sofrendo nos últimos 12 meses sem nenhuma margem. Ainda segundo Hegg, o setor lácteo cresceu em torno de 15% em relação a um ano atrás, em decorrência da destinação do auxílio emergencial para o setor alimentício.
Perspectivas a curto prazo
O presidente da Abiq, Fábio Scarcelli, prevê algumas situações para os próximos meses, embora ressalte que fazer perspectivas para mais de 30 dias no setor é difícil. Para ele, até este final de julho, “deve se manter o cenário de alta do leite e vendas aquecidas”. Os motivos são a entressafra nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, que já começou, a manutenção do auxílio emergencial, a baixa disponibilidade de produtos no Mercosul e os estoques baixos.
Ainda segundo Scarcelli, o que pode trazer mudanças a partir de agosto e setembro são, provavelmente, a elevação da produção no Sul, a queda do dólar, coincidindo com o aumento da produção no Uruguai e na Argentina, e uma possível importação de leite em pó e queijos.
No campo
Mesmo com o cenário de instabilidades, Piero Alberti e sua família passam os dias focados na produção, em Cássia dos Coqueiros, no interior de São Paulo. O estado vem ganhando bastante destaque no setor queijeiro.
A família, que é italiana, esteve pela primeira vez no Brasil em 2012 e, atraída por uma realidade diferente do que conheciam na Europa, resolveu voltar em 2014 e plantar, em solo brasileiro, um pouco da experiência de mais de 30 anos produzindo queijos em San Gimignano, na Toscana.
Na terra natal, a família tem uma fazenda orgânica, a Poggio di Camporbiano. Lá, trabalha com alguns sócios e alterna temporadas entre Brasil e Itália. Aqui, optou por manter a linha orgânica e hoje produz queijos com receitas que ultrapassaram décadas e que encantaram o paladar dos brasileiros.
Tudo o que é produzido ou cultivado na propriedade em Cássia dos Coqueiros também é de forma orgânica. Os queijos são produzidos a partir do processamento do leite das vacas criadas na propriedade, que são tratadas com muito carinho. Piero conta que elas são todas da raça Jersey, muito mansas e dóceis, e cada uma é chamada pelo próprio nome, desde o nascimento.
São mais de 15 tipos de queijo, como muçarela, burrata, frescal, entre outros. Os tipos finos e diferenciados têm a receita da experiência na Itália, onde a família conquistou diversos prêmios e foi pioneira na produção orgânica. Atualmente, a propriedade em Cássia registra 1,3 mil quilos de queijos fabricados por mês.
Leite orgânico de búfalas
Na expectativa de crescimento do consumo, o Estado de São Paulo concedeu, em 2020, sua segunda certificação para leite orgânico de búfalas. Pecuaristas da região de Itapetininga, no interior do estado, estão entregando aos laticínios os primeiros litros para a produção de muçarela e burrata. Eles receberam a autorização no final de janeiro, após dois anos de adaptações com pastagens e homeopatia.
Foi uma conquista para os pecuaristas do estado para este tipo de produto. Até o início do ano, apenas Joanópolis, próximo à divisa com Minas Gerais, contava com esse reconhecimento, dividindo as atenções com outro município brasileiro: Valença, no Rio de Janeiro.
A motivação para apostar numa linha orgânica nos arredores de Itapetininga aconteceu quando um laticínio propôs, aos criadores que compõem a Cooperativa dos Produtores de Leite de Sarapuí (Colaf), não só pagar mais pelo leite diferenciado, como apoiar o processo de conversão.
A partir de março de 2018, quando teve início o período de adaptações, eles já começaram a receber 30% a mais em relação ao preço base, que gira em torno de R$ 2,20 o litro. Finalizado o processo, e com a conquista da certificação, o valor subiu ainda mais, para 50% em relação ao preço base, batendo a casa dos R$ 3,30.
A zootecnista Ana Paula Roque, da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) Regional de Itapetininga, foi a responsável pelo acompanhamento técnico das propriedades e do processo. Ela conta que 15 produtores da cooperativa chegaram a participar da primeira reunião e que um terço deles se interessou em dar continuidade aos procedimentos. Porém, por causa das dificuldades, outros três desistiram durante a fase de implantação.
“Não é fácil chegar à certificação de orgânicos. Alguns desistiram quando se deram conta do alto nível de controle de gestão da propriedade e, também, da compra de grãos orgânicos. A região de Itapetininga não produz estes grãos, principalmente o milho. Eles devem ser buscados em outros estados”, afirma Ana Paula.
Duas propriedades foram, então, contempladas: o Sítio São José, do produtor Adriano José Nunes de Almeida, e o Sítio Nossa Senhora Aparecida, de Antônio Bento da Silva. Cada uma possui cerca de 60 hectares e, em média, 90 búfalas em lactação. Uma das mudanças pelas quais elas passaram foi na medicação: deixaram de receber remédios alopáticos, que foram substituídos pelos homeopáticos.