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Inspirada na filha, cientista da computação da USP-Ribeirão cria aplicativo para melhorar fala de pessoas com Síndrome de Down
Ana Laura Siqueira, Heloísa Taveira, Juliana Teodoro e Moara Ribeiro
Foto acima: Marinalva com Sofia: aplicativo está em fase final de implantação e será lançado em julho (Assessoria de Imprensa USP)
Antes de se tornar cientista da computação, mestre em Ciências da Computação e em Matemática Computacional e doutora em Computação Aplicada, Marinalva Dias Soares se tornou mãe. Sofia nasceu com Síndrome de Down (SD), uma falha genética caracterizada por três cromossomos 21 em vez de um par e presente em pelo menos 300 mil brasileiros. Há pelo menos dois anos, a pesquisadora desenvolve, na USP-Ribeirão, o “SofiaFala”, um aplicativo com o qual pretende ajudar crianças com a fala comprometida a aprimorarem essa habilidade. O produto está sendo testado por 30 crianças de instituições médicas que tratam portadores de SD. “SofiaFala” será lançado, oficialmente, em julho deste ano.
A criação do aplicativo foi motivada por uma descoberta que preocupou Marinalva: 100% dos portadores de Síndrome de Down têm a fala comprometida, em diferentes graus. Crianças com SD precisam de estímulos diferentes para desenvolver essa habilidade, como exercícios fonoaudiológicos diários e acompanhamento clínico constante. O Centro de Informação e Pesquisa da Síndrome de Down apontou que a metade dos 300 mil acometidos pela SD no Brasil tem baixa renda e não recebe o tratamento médico ideal.
“Pensei em fornecer algum tipo de auxílio para as crianças, como treinos em casa. Um acompanhamento confiável de modo que complementasse os realizados nas clínicas. E, também, algo que atendesse a um público menos favorecido que não pode realizar terapias fonoaudiológicas semanais”, explica a pesquisadora sobre a idealização do app. Marinalva conta, ainda, que a ideia de criar, com os próprios conhecimentos, um aplicativo em razão da dificuldade da sua filha pareceu muito gratificante.
Para fazer o aplicativo chegar aos celulares, a cientista contou com uma equipe. Com o apoio da docente, doutora e mestre em Ciência da Computação Alessandra Alaniz Macedo, o projeto foi inscrito no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo qual é financiado. “SofiaFala” foi escrito e planejado em menos de duas semanas e sua proposta era objetiva. “Viabilizar treinos fonoaudiológicos para criança em casa, com ou sem auxílio de um adulto e usando um recurso acessível”, explica Marinalva.
Hoje, o time “SofiaFala” é muito maior e composto por outras áreas do conhecimento. Além da Ciência da Computação, o aplicativo é desenvolvido e testado por profissionais e pesquisadores da própria fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia, epidemiologia, engenharia biomédica, física, entre outras áreas. São, pelo menos, 23 pessoas trabalhando para melhorar a fala de crianças com Síndrome de Down e outras deficiências, como o autismo.
Testes e parcerias
Sofia, que inspirou o projeto, testa o aplicativo há seis meses. Os exercícios que utilizam o recurso são prescritos por sua fonoaudióloga, Myrian Botelho. “Enquanto ela acha que está brincando, o aplicativo está avaliando sua fala”, conta Marinalva. Usar o aplicativo com o acompanhamento de um especialista é a forma que a equipe responsável pelo “SofiaFala” encontrou para avaliar o dispositivo. Assim, o potencial para desenvolvimento da criança, a capacidade de produção de dados e resultados e o software do app são postos à prova de uma só vez.
“SofiaFala” está presente na vida de outras crianças portadores de SD em Ribeirão Preto. O app faz parte do tratamento de alguns que são acompanhados pela Associação Síndrome de Down da cidade, a “Rib Down”, e do hospital-escola da Universidade de São Paulo (USP). “Essas parcerias se deram no sentido do uso do sistema para testes. O software é usado por 15 crianças de cada uma dessas duas instituições”, afirma Alessandra.
O projeto não só nasceu nos laboratórios da USP-Ribeirão como tem o apoio de duas coordenações da instituição. Uma delas, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, é representada pela pesquisadora Alessandra Macedo. E a outra, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, pela professora do curso de fonoaudiologia Patrícia Mandrá.
O aplicativo
A finalidade do aplicativo é “auxiliar no desenvolvimento ou aprimoramento da fala das crianças com Síndrome de Down”, declara Marinalva. Para isso, “SofiaFala” conta com dois módulos. O primeiro é restrito a profissionais de fonoaudiologia, pelo qual especialistas prescrevem exercícios para a criança. O segundo é lúdico e direcionado ao portador de SD.
Nos dois módulos, a criança com Síndrome de Down ou distúrbios da fala é desafiada. O aplicativo sugere uma imagem ou som que o usuário deve reproduzir de forma correta para que o exercício seja completado. Da mesma maneira que emite sinais gráficos e sonoros, o app também assimila. Caso a resposta da criança, gráfica ou sonora, não corresponda à sugestão, o “SofiaFala” ajuda o usuário a se corrigir.
Depois de cumprida essa etapa, o aplicativo devolve dois tipos de “diagnóstico”. O primeiro é lúdico-educacional, próprio para o usuário, a fim de que os exercícios possam ser refeitos até que não sejam mais necessários. Já o segundo corresponde a dados métricos e estatísticos para utilização do especialista que acompanha a criança. Com este, o profissional da saúde se informa quanto à evolução do quadro da fala de seu paciente.
Lançamento e pesquisas
De acordo com Marinalva, o “SofiaFala” deixa a fase de testes no mês de julho, quando será oficialmente lançado. A partir da data, o aplicativo estará disponível para download somente para Android, mas a expectativa é de que, em pouco tempo, se estenda, também, para IOS. Com a liberação do app, a equipe espera coletar dados e avaliar o dispositivo continuamente.
O aplicativo ainda não foi submetido a nenhuma pesquisa formal de efetividade quanto ao aprimoramento da fala de crianças com SD. Além do monitoramento que é feito pelos próprios criadores, o “SofiaFala” é avaliado pelos pais, responsáveis e crianças que utilizam o app. Todos os apontamentos desse grupo sobre a ferramenta são considerados e acabam resultando em adequações para atender às necessidades que surgem.
Outras alternativas nas pontas dos dedos:
App Cidadão
Na Uni-FACEF (Centro Universitário Municipal de Franca), alunos também desenvolveram um aplicativo para ajudar na saúde da população. Em parceria com o departamento de TI (Tecnologia da Informação) da prefeitura, o “App Cidadão” foi lançado em 23 de abril de 2018.
O aplicativo, disponível gratuitamente na Play Store, permite aos usuários da rede pública de saúde de Franca acompanhar o agendamento de consultas médicas da atenção básica, especialidades e urgência, além de ter acesso ao seu histórico como paciente.
Os desenvolvedores são estudantes do curso de Sistemas de Informação da Uni-FACEF: Evelyn Gomes, Dieniffer da Silva e Rafael dos Reis, do 4º ano, e Edi da Silva, formado em 2017. Tudo foi pensado para facilitar o agendamento de consultas, já que os pacientes serão informados sobre as datas com antecedência.
O app foi criado durante o “II HACKATON Uni-FACEF”, uma gincana de programação, que tinha, como objetivo, a criação e desenvolvimento de aplicativos voltados para a população do município, contribuindo para torná-la uma “cidade inteligente”.
“Durante 24 horas, os estudantes trabalharam em vários aplicativos. O vencedor foi o ‘App Cidadão’, que também foi trabalhado posteriormente, chegando no que temos hoje.”, comenta o professor Daniel Pires, que acompanhou a criação do app.
Para utilizar o aplicativo, basta baixá-lo na Play Store e realizar um cadastro, informando nome completo, data de nascimento, telefone e CPF. “Para garantir segurança ao usuário, é preciso também ir até uma UBS após fazer o cadastro para validar a inscrição”, explica o professor.
Tipmes
Ainda na junção de saúde e tecnologia, alunos do curso técnico de informática da ETEC Dr. Júlio Cardoso elaboraram uma forma de auxiliar os idosos em casos de emergência em Franca. É o “Tipmes”, um aparelho em conjunto com um aplicativo que ampara pessoas de terceira idade que estejam passando por alguma dificuldade de saúde ou segurança, conectando-as com amigos, familiares e hospitais de emergência.
Ao utilizar um colar com o pingente desenvolvido pelos jovens, o idoso pode acionar pessoas cadastradas previamente, para que elas possam ir ao seu encontro. Para isso, basta pressionar um botão acoplado ao acessório e ter no celular o aplicativo “Tipmes”, que vai gerar a localização de quem precisa de ajuda.
A ideia do projeto surgiu a partir de uma situação familiar. Um dos integrantes do grupo, Pedro Paulo Mercúrio, relatou a experiência que teve com a avó dele: “Em 2017, a minha avó estava em casa, caiu e se machucou. Por sorte, ela não estava sozinha e a família pôde atendê-la rapidamente, mas e se não tivesse ninguém em casa?”.
O objetivo principal do “Tipmes” é melhorar a saúde de idosos, proporcionando bem-estar e contribuindo para um estilo de vida mais independente, além de oferecer mais tranquilidade aos familiares e cuidadores, que nem sempre estão à disposição o dia todo.
Os alunos Leonardo Faleiros, Pedro Paulo Mercúrio, Matheus Rodrigues e Paolo Ubiali, orientados pelo professor Washington Souza, conseguiram atender uma das tantas necessidades que o idoso possui. Em julho de 2018, o grupo foi premiado com a segunda colocação em um evento de tecnologia.
Aucare
Mais um app lançado com o objetivo de auxiliar a área da saúde é o “Aucare”, desenvolvido por outro grupo de estudantes da ETEC Dr. Júlio Cardoso como um trabalho de conclusão de curso. Atualmente, o aplicativo está em fase de testes.
O programa tem como finalidade ajudar os responsáveis por crianças autistas, promovendo o aumento da autonomia, o desenvolvimento da rotina e a melhora na inclusão social dos pequenos. Cada ação do usuário do app pode ser monitorada por um adulto.
Tudo é feito de forma lúdica, através de um jogo dividido em fases, em que o avanço depende do desenvolvimento da criança. O nome dado ao app também tem um significado especial: “‘Au’ remete a autista e também a ‘all’, que significa ‘todos’, em inglês. ‘Care’ significa cuidado e ajuda, algo que pretendemos alcançar com nosso app”, comenta Leonardo Faleiros, um dos integrantes do grupo.
Como um conjunto de ideias dos integrantes, o aplicativo foi moldado e aperfeiçoado através de diversos estudos sobre a área. Os alunos pretendem lançar o “Aucare” no mercado, contando com a ajuda de professores, psicólogos e fonoaudiólogos. Desenvolvedores da área já têm acesso ao projeto.
O próximo passo é o início dos testes, que, a princípio, não serão feitos por uma criança autista. Primeiramente, todas as fases do jogo devem ser observadas cuidadosamente à procura de algum problema. Só então uma criança autista poderá testar o app e, com aprovação, seu acesso poderá ser liberado à população.
Confira reportagem em vídeo sobre o Aucare: