Ciência transformadora

Calar-se não é uma opção!

Ana Flávia Carvalho, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Unifran aborda a dificuldade em discutir o Tráfico Internacional de Pessoas no Brasil

Mateus de Oliveira

Falar sobre um tema sensível nunca é fácil. A maneira como o assunto será tratado deve ser cuidadosamente analisada para que não haja uma romantização do tema e que ele seja criteriosamente explorado e difundido.

Imagine quando falamos de um assunto como o Tráfico Internacional de Pessoas, tema tão latente e pouco abordado devido a um possível tabu e suas consequências.

Segundo os dados da OIM (Organização Internacional para as Migrações) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 714 casos de Tráfico Internacional de Pessoas foram registrados em 2023, com 92% deles tendo como origem o nosso país. São mais de 650 relatos de tráfico de pessoas em que as vítimas brasileiras são levadas para o exterior, na sua maioria para a Europa. E as mulheres ou meninas são mais aliciadas pelos criminosos.

Para abordar o tema, a pesquisadora Ana Flávia Carvalho, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Unifran, optou pela análise do discurso do filósofo francês Michel Pecheux, que, de acordo com a sua orientadora, a Profª Dra Aline Fernandes Bocchi, também do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Unifran, é fundamental para compreender o tema pois: “A análise do discurso da vertente pecheutiana nos ajuda a entender o discurso e como ele se relaciona com as questões sociais, além do contexto em que foi publicado”.

Ana Flávia, Drª Aline Fernandes de Azevedo Bocchi, Kátia e Evelyn em uma reunião do PPG de Linguística da Unifran (Foto: Acervo Pessoal)

A pesquisadora, que é formada em direito, falou um pouco sobre os desafios de trabalhar com um tema tão sensível como esse, destacando o surgimento da ideia de abordar o tráfico internacional: “Eu queria falar na graduação alguma coisa que remetesse ao direito penal e aos direitos humanos. Na época estava no quarto ano quando realizei a minha pesquisa e assistia a muitos vídeos do canal “SobreVivendo na Turquia”, que é de uma brasileira que mora no país. Ela relata como outras brasileiras foram aliciadas para esse crime”.

Danny Boggione (esq.) entrevistando Luana Maciel (dir.) no canal do YouTube “SobreVivendo na Turquia” (Foto: Internet)

A pesquisa analisa principalmente o discurso das vítimas brasileiras de tráfico de pessoas, contando toda a situação que passaram no exterior. Há relatos bem fortes de mulheres vivenciaram todos os horrores de estar presa em um país distante em que a pessoa não conhece a cultura e muito menos a língua.

A pesquisadora reforçou a importância de divulgar o assunto e discuti-lo justamente com o intuito de conscientizar e alcançar o maior número possível de pessoas, principalmente as que se encontram em alguma situação de vulnerabilidade social. “As mulheres com menor acesso à educação, baixa remuneração, além de existir um recorte racial, que prejudica ainda mais as mulheres negras, deixando-as mais suscetíveis aos aliciadores”, segundo a pesquisadora.

A pesquisadora que integra o PPG em Linguística da Unifran detalhou a maneira como essa rede de aliciamento age, que vai desde homens e mulheres abordarem os “alvos” na rua, mas principalmente nas redes sociais. Os perpetradores oferecem uma oportunidade de trabalho no exterior, que pode ser uma proposta para trabalhar como modelo ou até mesmo um emprego como doméstica. Pela proposta econômica ser vantajosa, muitas vítimas aceitam e acabam sofrendo abusos físicos, psicológicos e até sexuais.

Ana Flávia Carvalho também mantinha um trabalho de divulgação da temática em suas redes sociais, principalmente no Instagram e no TikTok. Ela compartilhava artigos e dados sobre o tráfico internacional de pessoas e alertava seus seguidores para não cair na “lábia” dos traficantes. Enquanto produzia conteúdo para essas plataformas, a pesquisadora relatou que: “Eu recebia mensagens de homens de várias nacionalidades, pois a minha conta estava aberta naquele momento. Eles elogiavam a minha aparência e propunham uma entrevista para trabalhar como modelo. A abordagem bem parecida com a tática usada pelos perpetradores para aliciar as vítimas”. Devido a essas mensagens, Ana Flávia decidiu interromper a produção de conteúdo sobre tráfico de pessoas nas suas redes sociais, já que ficou com medo de ter alguma de suas contas hackeadas.

Apesar da interrupção, a pesquisadora não descartou voltar a divulgar e abordar o tema futuramente, devido ao interesse público por trás desse assunto que é pouco comentado.

O Estado Brasileiro tem o papel fundamental em conscientizar e combater o tráfico internacional de pessoas, pois já existem medidas como o artigo 149-A do código penal brasileiro, que busca coibir esse crime, além do Protocolo de Palermo, documento de 2003 que busca a colaboração dos líderes mundiais para enfrentar essa problemática. Apesar dessas iniciativas, Ana Flávia Carvalho reforçou a negligência do Estado em enfrentar e propagar campanhas de conscientização sobre o tráfico de pessoas, e, ainda segundo ela, se houvesse um envolvimento estatal maior, provavelmente essa modalidade criminosa não seria a terceira mais rentável, de acordo com o ranking de 2016 da GFI (Global Financial Integrity).

A pesquisadora afirmou que mesmo sendo um tema sensível e para muitas pessoas um tabu, é de extrema urgência seguir falando, pesquisando e cobrando as autoridades para combater e enfraquecer cada vez mais esse crime hediondo.