Nem o básico
Três cidades da região sofrem com sérios problemas de saneamento básico e questões políticas atrapalham as obras
Ana Flávia Teixeira, Maria Júlia Blanco, Milena Fischer e Sara Ávila
Foto acima: No Sudeste, 17% do esgoto ainda são jogados in natura em córregos e rios (Banco de imagens)
Desde 1970, o governo brasileiro afirma priorizar o tratamento de água. Afinal, o país armazena 53% de toda a água potável da América do Sul. Entretanto, a disponibilidade é desigual nas regiões. O problema maior é quando a água utilizada é descartada, devido à falta de infraestrutura de esgoto. Segundo dados do Instituto Trata Brasil, em 2016, mais de 80% da população brasileira tinham água tratada em suas cidades, porém, quando esse número é relativo ao tratamento de esgoto, a porcentagem cai para 45%.
A maior parte dos moradores que sofrem com esse problema está no Nordeste. Lá, mais de 90% das cidades não têm tratamento de esgoto, que é jogado diretamente na natureza. No Sudeste, esse índice cai para 17%, com maior concentração nas capitais dos Estados.
O fato é que os números baixos vão de encontro aos compromissos assumidos pelo Brasil em âmbitos nacional e internacional, como os assinados na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, na Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015. O país prometeu, na ocasião, resolver os problemas de saneamento, universalizando o tratamento de água e esgoto até 2030. Mas a expectativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) é de que, com o ritmo de 7,4% de aumento nos últimos cinco anos, o problema só seja solucionado em 2060.
Para João Marcos Verdun, professor de biologia na ETEC Alcídio de Souza Prado, em Orlândia, SP, quando o assunto for resolvido, talvez seja tarde demais. “A expectativa é de que a situação do esgoto se resolva só em 40 anos. Até lá, quanto vai ser poluído? Temos pouquíssima água potável, e a que temos, países com descaso, como o nosso, poluem quando seria melhor tratar. O futuro realmente me assusta.”
São Joaquim da Barra
Na região de Franca-SP, a aprovação do projeto para a construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) em São Joaquim da Barra foi feita em 2009, mas logo o processo foi suspenso. Em 2012, a obra voltou a ser discutida e foram destinados R$ 6,8 milhões a ela. Uma vez que o projeto de engenharia foi aprovado, a licença ambiental foi obtida e o terreno viabilizado, a obra começou. Em 2018. Mas só começou.
Segundo o atual prefeito, Marcelo Mian, a justificativa para a demora tem relação com questões político-partidárias e com a falta de verbas dos governos federal e estadual. “Quando assumimos essa administração, pensamos em trazer ela (ETE) de qualquer modo e não vimos cor partidária, porque antes existia uma rixa. Por exemplo, a pessoa que está na administração não aceitar uma obra da oposição. É, também, uma obra cara, orçada em quase 13 milhões de reais, e, se não tiver ajuda federal e estadual, fica difícil o município bancar sozinho.”
Mian garantiu que 80% da estação estão concluídos e que a expectativa é que a ETE seja entregue no final desse ano. O plano é que a obra ajude a despoluir as águas do rio Sapucaí, onde o esgoto de São Joaquim é despejado. A construção é esperada como um divisor de águas, literalmente, para o município. “A Estação de Tratamento de Esgoto vai permitir mais casas populares para São Joaquim da Barra. E geração de emprego e renda, porque traz indústria”, conclui o prefeito.
No Brasil, as cidades com falta de tratamento de esgoto quase sempre utilizam o método in natura para se livrar dele: jogam os dejetos nos rios mais próximos. Para Verdun, esse é o maior problema de saneamento básico do país. “O que acontece é que, quando se joga esgoto nos rios, não são só as águas dele que ficam poluídas. Toda a vegetação em volta do rio fica poluída. Em caso dessa água transbordar, a situação fica ainda pior. Não faz diferença se aquela água abastece sua cidade ou não. No momento em que aquilo passa por um ponto de recarga de um aquífero, por exemplo, a sua água fica poluída do mesmo jeito. Isso não só dá mais doenças, como também dá muito mais gastos para o governo.”
Por ano, 500 mil pessoas morrem por consequência de infecções e diarreias no Brasil, sendo que 80% desses casos têm a falta de tratamento de esgoto como causa.
Batatais
Em épocas de chuva, a Avenida 14 de Março, uma das principais vias de Batatais-SP, inunda e os esgotos entopem. Diante disso, toda a sujeira do município desce e cai na avenida, o que causa fortes enchentes, que atingem lojas, clube de esportes, entre outros estabelecimentos. O lago artificial do município também transborda.
A primeira reforma para evitar que isso continue começou em agosto de 2018, guiada pela Administração de Obras da prefeitura e o Departamento de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos (Dadetur), do Governo do Estado de São Paulo. Foram realizadas substituições dos bloquetes de concreto por asfalto com captação de redes de galeria de águas pluviais, reestruturação do turbo ármico, microdrenagem, instalação de lombofaixas, entre outros reparos.
O site da prefeitura cita que investiu R$ 1,67 milhão, mas o problema não foi resolvido. Após uma forte chuva no mesmo ano, a avenida alagou mais uma vez e os asfaltos começaram a levantar. O Dadetur e a prefeitura conseguiram, então, uma parcela da verba do Convênio com o Ministério da Integração Nacional para a sequência dos serviços de canalizações. O projeto, que ainda não teve início, vai custar, aproximadamente, R$ 3 milhões.
Um dos locais que mais sofrem com as enchentes é o Centro Cultura Física de Batatais (CCFB), também conhecido como Piscina, um clube de esporte privado na Avenida 14 de Março. Por ser um local fechado, todas as áreas do local sofrem danos. As piscinas, os motores delas, os vestiários e secretaria enchem de lama. O histórico de estragos também registrou o desmoronamento de um muro, devido à pressão da água que desce, e a retirada de dez caçambas com sujeira, entulho e aparelhagem danificada.
O zelador do clube, João Carlos, de 55 anos, que trabalha ali há 20, relata que a inundação não começa na avenida, mas na Rua Fernando de Noronha, que fica nas costas do CCFB. Apesar das diversas reformas na região nos últimos anos, ele explica que não houve mudanças. “Desde que entrei na empresa, sofro com essa situação. Quando chega época de chuva na cidade, pode ter certeza que vai vir enchente. No ano passado, quase perdi o meu carro junto com enxurrada”.
A reportagem foi até a prefeitura, procurou a Secretaria de Planejamento de Obras e Infraestrutura três vezes para obter um posicionamento, mas o secretário preferiu não falar a respeito.
Ibiraci-MG
Em Ibiraci-MG, a poucos quilômetros de Franca, esse assunto também não está resolvido. O Ministério Público exigiu e a prefeitura conseguiu um contrato de 30 anos com a COPASA-MG em 2014 para o tratamento de esgoto – a empresa já era responsável pelo abastecimento de água. As obras também não começaram, mas houve registro de um adicional de 40% de Esgoto Dinâmico com Coleta (EDC), cobrado nos boletos dos moradores.
O vereador Mário Ribeiro dos Santos, então presidente da Câmara naquele ano, pediu que a Promotoria questionasse o valor. Atualmente, o adicional de EDC está entre 25% e 30% do valor total das tarifas. A reportagem tentou contato com a COPASA, mas sem sucesso até o fechamento dessa reportagem.