A luta no Copacabana
Condomínio popular de Franca cuja obra demorou três anos ainda é motivo de insatisfação meses após a entrega
Stéfanne Leão
Foto acima: Um dos prédios do conjunto Copacabana, que enfrenta problemas estruturais (Acervo pessoal)
Dona Madalena e “Seo” Agnaldo. Moradores do Residencial Copacabana. Casados há 39 anos. Passaram quase metade da vida juntos e enfrentaram muitas dificuldades, sendo que a principal delas foi a falta de moradia. A vida toda, eles, que não tiveram filhos, moraram de favor na casa de parentes ou em sítios e chácaras trabalhando como caseiros.
O pequeno apartamento entregue em julho desse ano é o mais próximo de um “lugar pra chamar de seu” que tiveram em todos esses anos. “Nunca tivemos onde morar… 39 anos de casados ficando de casa em casa… Não é fácil”, declara Dona Madalena.
O casal e mais 317 famílias de baixa renda foram contemplados no sorteio da Caixa Econômica Federal em 2015, mas, só após três longos anos de luta e espera, puderam pegar as tão sonhadas chaves.
Nesse meio tempo “Seo” Agnaldo perdeu metade da visão em um acidente. Dona Madalena foi diagnosticada com câncer de pele e faz tratamento até hoje. Também faz uso constante de calmantes e antidepressivos, desde que teve crises de asma e pânico por causa da ansiedade, atribuída à demora para receber o apartamento: “Não saía isso aqui! Eu fui passando mal… Agora que eu ‘tô’ mais tranquila. Mas tenho que tomar esse tanto de remédio: três de dia, mais dois à noite. E, se ficar sem, o coração parece que vai disparar.”
As doenças e a idade não permitem que o casal trabalhe mais como caseiro. Por isso, para eles, foi gratificante mudar para a nova morada. Mas eles ainda não acreditam que seu sonho está finalmente realizado. “Até hoje, a gente fica que nem bobo quando sai admirando nosso apartamento de longe! É tão lindo nosso apartamento…”. Seria mais lindo não fossem os problemas.
O Copacabana, não o do RJ, mas o de Franca, é um conjunto de três condomínios voltado para a moradia popular. A construção foi parte do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal, em parceria com o Casa Paulista (Estadual). A Caixa Federal foi responsável pela verba do projeto e a empresa Iso Construções e Incorporações, pela execução das obras em parceria com a Empresa Municipal para o Desenvolvimento de Franca (Emdef).
Os condomínios ficam lado a lado e são denominados Copacabana I, Copacabana II e Copacabana III. Eles têm, respectivamente, 88, 174 e 144 apartamentos. Cada apartamento tem dois quartos, sala, cozinha, um banheiro e área de serviço. A área privativa é de 50,03 m². Os apartamentos do Copacabana I foram destinados a famílias que estavam morando em uma área de risco. Por isso, não entraram no sorteio.
Problemas
Já faz quatro meses que os condomínios foram entregues, mas muitos moradores estão como Dona Madalena: sem acreditar que têm moradia própria depois de passarem por tato sufoco. E coloque sufoco nisso. A maioria morava de aluguel e teve inúmeros problemas para se mudar. Muitos se programavam a cada data prometida para a entrega, que nunca vinha. Alguns chegaram até a ser despejados e tiveram que se virar para não ficar na rua. Outros fizeram contratos maiores nas antigas casas, por segurança, e agora têm que pagar multa pelo rompimento.
Entre todos esses, estão os que ficaram completamente endividados. É o caso de Maria Adriana, moradora do Copacabana II. Mãe de dois filhos – um deles deficiente -, ela faz faxinas pra se manter. Morou por 21 anos na mesma casa de aluguel e, desde que ganhou o sorteio, esperava desesperada pela entrega, pois o serviço diminuiu e os ganhos não davam mais pra arcar com o valor do aluguel. Ao sair da casa, fez um empréstimo e pagou parte do valor, mas faltam R$ 5 mil “Eu ia negociar, mas nunca sobra dinheiro. Não sei como vou pagar. Só sei que vou ter que dar um jeito.”
Além das dificuldades financeiras, os moradores convivem com vestígios de obra mal feita: fios invertidos, infiltrações, estruturas frágeis, entre outros. Não há iluminação nas ruas internas, nem ao redor do condomínio. Não existe qualquer mecanismo de segurança, como guardas, rondas, muito menos câmeras de vigilância. Reclamações foram protocoladas na prefeitura e na construtora responsável. A única resposta é que haverá soluções “na medida do possível”.
Se o “possível” tiver o mesmo significado do início das obras, serão mais alguns anos desviando de goteiras e de baldes espalhados pelos cômodos quando chove, correndo riscos que o “breu” cercado por mata oferece quando escurece, encarando manchas que denunciam infiltração por todo lado e pagando a conta do vizinho sem saber valores que diferem o consumo de um apartamento do outro.
Fora os atos de vandalismo e problemas de convivência: extintores esvaziados, pedradas nas janelas, som alto, brigas, até uso de drogas. “A gente já teve roubo de gás aqui. Já teve morador fugindo da polícia”, afirma Adriana, síndica do Copacabana III.
Sem resposta
Sobre os problemas relatados, não houve respostas da prefeitura e da construtora, nem sobre o atraso na entrega das obras nem sobre as situações atuais. Os questionamentos foram comunicados pela reportagem por telefone e enviados por e-mail, conforme foi solicitado, por mais de uma vez, mas ninguém se pronunciou. A reportagem apurou que a Iso Construções enfrenta muitos processos trabalhistas e por atrasos em obras. Isso também foi perguntado, mas sem retorno algum.
Levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgada em abril desse ano indica que mais de 6 milhões de brasileiros passaram viver em imóveis cedidos por terceiros no ano passado. Os dados são parte da pesquisa Características Gerais dos Domicílios e dos Moradores 2017, feita com base em informações coletadas pela Pnad-C (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).
A crise afeta, de forma muito mais agressiva, a população mais pobre. Por isso, a importância de moradias populares aumenta. Por isso, conversamos com o antropólogo, mestre em Educação e professor de Sociologia na rede pública Fausto Scott, para que ele fizesse uma análise sobre a destruição do local. “Acredito que o vandalismo é consequência de uma ausência de pertencimento ao espaço.”
Scott entende que, como os moradores vieram cada um de uma região diferente, com realidades distintas, é necessário um período adaptação e integração ao novo local e à comunidade que se formou no condomínio. Ele aponta, como agente facilitador da violência, a ausência de funcionários para tomarem conta do espaço. E, considerando que a população de baixa renda não tem muitas condições de ampliar gastos, recomenda que os moradores mesmo se organizem para tentar controlar a segurança. “Formar cooperativas entre eles para a organização do condomínio, a meu ver, seria uma solução para esses problemas e também uma maneira de os próprios moradores construírem um sentimento de pertencimento ao espaço, que é de todos.”
Já os roubos de botijões de gás devem estar sendo cometidos, segundo os moradores, pelos mesmos suspeitos de consumir drogas no condomínio. Porém, sem provas ou algum flagrante, estão todos de mãos atadas até o momento. Ou quase. A revolta é tanta que algumas mulheres ameaçam “espantar a pauladas” quem encontrarem roubando o condomínio.