Penetrated Soul torn and taken away
Observação: esta crônica foi escrita utilizando a técnica de fluxo de consciência, o que pode tornar os parágrafos longos e contínuos um pouco estranhos à primeira vista. Em relação ao cotidiano de um profissional de marketing em uma agência de publicidade, busquei inspiração na série Emily em Paris, resgatando alguns de seus elementos teóricos. No entanto, minha narrativa aborda uma problemática social (pesada), explorando os riscos enfrentados por uma estagiária jovem recém formada e os perigos ocultos que permeiam a sociedade, muitas vezes disfarçados por ternos caros e sorrisos encantadores — pessoas que jamais levantariam suspeitas. Para essa temática, também me inspirei na série Lei e Ordem: SVU, trazendo à tona um lado sombrio e inquietante do mundo corporativo.
Ilustrações: Banco de imagens
A garota que solicitou meus serviços está usando um relógio de pulso rosa envelhecido, com contornos da Hello Kitty em tons pasteis de rosa. Ela verifica a hora, depois mexe em um fio de cabelo, enrolando-o nos dedos finos. Deixando seu nervosismo transparecer. 1:20 AM.
Horas, houve um atraso de horas! Estive com aquele idiota do Frank durante a noite toda, e ele simplesmente me mandou embora sem ao menos chamar um Uber. Não entendo porque isso, mas não é uma coisa para se entender. Porque as coisas só são como são e mais nada.
A noite havia sido um completo caos, admito. Não apenas para mim como para meus companheiros de profissão. Havia acabado de parar para fazer minha pausa durante os turnos quando o aplicativo em meu celular pisca. Alguém solicitava uma corrida de carro com destino a Jersey City. Custaria cinquenta dólares! Que se dane o sono, eu iria.
As ruas estavam sujas, e o fedor era de nicotina.
“Tenho que ajeitar a saia antes que o motorista chegue”, digo alto.
Não pude enxergar bem até que dei a seta e mudei para a faixa da esquerda, uma garota franzina e loira esperava na calçada com um celular na mão. Abaixo o vidro.
“Qual é o seu nome, garota?”, perguntei à passageira.
“Samantha”, ela me responde com pressa. Acenei para que ela entrasse logo, não perderia meu tempo ali naquele ponto da cidade. Depois observo seu rosto pelo espelho retrovisor e a cumprimento decentemente desta vez. Sem resposta. Era bonita. Cabelos ruivos e olhos verdes, nariz arrebitado. Quantos anos ela poderia ter, andando na rua àquela hora? Não parecia mais do que só uma estagiária. Gostaria de saber, afinal ela era uma pérola, e parecia perdida. Mas não me atrevi a fazer uma só pergunta.
Comecei a fumar há pouco tempo e, não sei desde quando, consigo sentir o cheiro de nicotina da rua. É um odor um pouco forte, porém, para mim, agradável. Jogo no chão e arrasto com um dos pés até a boca do bueiro o resto do lucky strike que estava fumando, tive um quarteirão e meio para fumar quantos a quantidade na embalagem me permitisse fumar. São três. Logo depois chamei um Uber, não estava a fim de implorar para que aquele babaca bêbado me levasse embora. Noto os olhos de um velho em cima de mim, pelo retrovisor. De início, não respondo ao seu aceno de cabeça, esperei alguns segundos mexendo na bolsa e olhando as horas. Será que tem algum caixa eletrônico aberto? Depois me volto para o vidro e abro um sorriso. “Olá. Como vai?”, respondo.
Meu suspiro é de alívio por já estar dentro de um veículo, mas não diminui minha preocupação por estar compartilhando-o com um total estranho em plena madrugada.
Merda! Frank era o meu supervisor na agência. Tivemos uma boa relação logo que nos conhecemos, mas nunca esperei que coisas fossem acontecer.
A garota atrás do meu banco ia quieta, observando a paisagem pela janela. Percebo algumas lágrimas saindo de seus olhos, borrando a maquiagem.
Já era tarde, acabei ficando no escritório para organizar alguns arquivos que precisam ser entregues com urgência. Lúcia, a dona da agência, pediu a todos que apresentassem propostas de valor antes do prazo estipulado pelo novo cliente. Para ela, estar associada com a linha de perfumes do grande estilista “Agatte”, era algo que ia além do nível profissional. Envolvia o seu orgulho pessoal como a primeira a conseguir tal feito. Era a razão pela qual a agência de publicidade De Lyon renasceu das cinzas em comparação a outras empresas em declínio, foi a aquisição de novos clientes. E isso incluía Agatte. Um dos maiores nomes no setor da moda e alta costura. Rumores de que o assessor de Agatte iria pessoalmente se encontrar com a nossa Executiva Chefe já havia se espalhado por todo o departamento de criação e mídia.
Andamos trezentos metros quando a passageira me perguntou “se eu ligava”, com uma garrafa de vodka apoiada no banco de couro do meu carro. Tento ser simpático e digo que não. Então ela tira uma garrafa de 750ml da bolsa, e depois de alguns instantes toma um longo gole. A garota passa a murmurar alguma coisa após isso.
Minha mente está cheia de pensamentos sobre o que aconteceu. Com a necessidade de reclamar comigo mesma, meus lábios se abrem, “Que merda. Acabei pegando a garrafa da cristaleira antes de vir para cá”, e eu termino por dizer em voz alta de novo.
Frank me levou para casa após todos os outros já terem saído. Ou pelo menos é o que deveria ter acontecido. Acabei no vigésimo oitavo andar de um prédio de luxo, na cobertura de Frank.
Abro os vidros de trás e deixo um pouco da poluição entrar. O ar invade o carro, como fumaça entrando nos pulmões de um fumante ativo. Se fosse em outros tempos, esta cidade seria um pouco mais limpa. A única coisa que realmente me incomodava eram as pichações nos muros de tijolos à vista.
Frank era bonito e engraçado, lembrava vagamente o vocalista de uma banda de rock dos anos 80. A primeira coisa que ele fez ao chegar em sua casa com a desculpa de ter esquecido alguma coisa foi me oferecer um drink. A porta do elevador se abriu para um grande hall de entrada, onde fiquei plantada, esperando que Frank voltasse logo. Naquele momento já eram quase onze da noite. Tentei não ligar para a sugestão alcoólica, afinal estava cansada demais para considerar qualquer outra possibilidade que não fosse voltar para casa. A agência estava um caos, com todos os estagiários fazendo clippings para verificar o alcance da marca com a qual Lúcia pretendia trabalhar. Todas as informações que reuni serviriam de guia para que as pessoas do departamento criativo soubessem por onde começar. A coleta de dados não foi fácil. Acabei andando seis quarteirões para levar um café gelado para a secretária de Agatte, que havia me prometido uma hora na sala de arquivos do estilista mais renomado da marca, em troca de um copo de café Starbucks. Estava muito longe para ela comprar. A situação ao telefone parecia tão absurda que tive que me abster, ou acabaria xingando-a de Miranda Priestly.
A garota, Samantha, agora chorava com mais intensidade. Senti pena dela. Por que estava chorando no banco de trás de um uber? Lentamente seu choro se transformou em soluços, e depois em urros abafados. Sua voz, enquanto estávamos conversando, havia soado como uma bela melodia. Agora não passa de ecos, transbordando de um sentimentalismo que eu não entendo.
Não tenho certeza, mas acho que devo ter apagado em algum momento depois de entrar no apartamento. Acordei com o som de outra voz masculina no ambiente. Não era o Frank. Parecia ser um conhecido. AI MEU DEUS! Estou me lembrando agora! Ao abrir os olhos percebo que estou em um Chesterfield branco, e a primeira coisa que vejo são um par de sapatos oxford cap toe cns negro. Frank estende o braço e pega um copo baixo na cristaleira ao lado. E depois se aproxima de mim. O cara loiro que está alguns metros atrás sorri, então ele era o dono dos sapatos…
“Você deve ser Sam. Ouvi muitas coisas sobre você”, diz ele, “Sou um grande amigo do Frank, e trabalho como analista de sistemas no mesmo prédio que vocês dois”. Minha memória está um pouco borrada. Quando foi que ele chegou tão perto? O medo me deixa imóvel. PORQUE? Por que isso aconteceu?
Ofereço um lenço de papel. A passageira aceita, contrariando minhas expectativas.
Tentei levantar e me afastar do sofá, mas ele foi mais rápido em se posicionar contra mim, me deixando presa onde estava. FRANK SABIA! AQUELE IDIOTA! Frank está parado em frente a porta com os braços cruzados, rindo e pedindo ao amigo que pegue leve, enquanto toma outro gole de uísque; mantendo o semblante totalmente calmo e inalterado. Meus lábios se movem, contornando o som das palavras “Por favor, não faça isso”. Mas o que sai a seguir é um gemido alto e áspero. Fui eu? Minhas bochechas estão coradas de raiva e dor, ele entrou em mim com força depois de me virar de costas. Percebi que levantar minha saia não foi difícil. Mas o que está acontecendo com meu corpo? Porque está tão quente? Frank deve ter posto alguma droga erótica na minha bebida.
Minha mente estava em colapso. As palavras de Frank destruíram meu íntimo por completo, ele estava conivente com aquilo.
Acabo olhando-a sem querer. O desespero da garota parece crescer a cada milha percorrida.
“Fui violada!”, digo ao motorista que me olhava pelo retrovisor. Não que minhas palavras fossem fazer alguma diferença.
Fico transtornado com o que a bela jovem acabara de me dizer. Será? Seria? Não tenho resposta. Não há nada que eu possa dizer para consolá-la. Simplesmente não sei o que fazer, então sigo dirigindo até o destino.
Bebi metade da garrafa, mas sem sentir o gosto forte da bebida. Minha garganta parecia estar em chamas, mas não é nada perto da raiva que sinto de mim mesma. Deus existe e está olhando por nós aqui na terra? Então porque ele não me viu quando precisei de ajuda? Apenas abro a porta do carro. Não ligo se ainda estamos em movimento. O motorista se assusta com meu ato e desacelera, ficando a 10 km/h. Corro com a garrafa na mão, sem destino algum. Até me deparar com um grupo de punks destruindo coisas. Me junto a eles e quebro a garrafa em um muro. Continuo batendo-a contra os tijolos, a força faz com que eu me arranhe com os cacos e sangre. Mas pouco importava. Para mim não era o sangue vermelho de um ser humano. Acabei sendo um mero objeto. Eu estava jorrando minha incompreensão, dor e repulsa. “QUERO QUE VOCÊ EXPLODA, FRANK”, grito para que todos ali pudessem ouvir. QUEBRAR… QUEBRAR… Minha intenção, percebi, era a de quebrar algo que jamais se partiria. A minha alma.
Ainda estou pasmo. A garota me pagou e saiu antes, arrastando a bolsa e a garrafa consigo. Acho que não conseguirei dormir depois disso.