“Me descobri negra”
Visando ficar perto das origens, Fabiana Crispim, de Sacramento-MG, expressa suas ideias costurando tecidos africanos
Osmar Alves
Foto acima: Fabiana afirma que os negros não conhecem sua cultura porque seguem padrões impostos pelos brancos (Acervo pessoal)
Fabiana Crispim, de 47 anos, encontrou nas roupas africanas uma forma de expor suas opiniões. Diz que, se for preciso, até entra em briga para defender o povo negro. Moradora de Sacramento-MG, interessou-se cedo pela costura. Aprendeu tudo sozinha e, hoje, usa seu próprio quintal para criar os modelos.
Com uma visão crítica sobre os aspectos históricos que levaram à exploração e discriminação dos negros no Brasil, acredita que a mudança nesse panorama está na educação. Faz faculdade de História, quer se especializar em história africana e tem, como um dos sonhos, conhecer o continente de seus ancestrais.
O Agenda Sette foi conhecer um pouco mais sobre sua forma de ver o mundo. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Por que você escolheu ser costureira?
Adoro criar e amo ver uma pessoa bem vestida. Então, sempre tive essa vontade e aprendi a costurar sozinha. Hoje, adoro quando faço uma peça e vejo as pessoas se sentirem lindas e poderosas com meu trabalho.
E por que os tecidos africanos?
Foi uma forma que encontrei para ficar perto das minhas origens. Trabalhando com o tecido, vou mostrando para as pessoas um pouco mais da cultura africana.
A ideia de trabalhar com esses tecidos foi sua?
Sim, foi minha mesmo. Antes, não me importava com essa coisa de “identidade negra”. Com isso, em 2013, me descobri negra. Assim, fui buscando conhecimento, fiquei mais próxima do tecido africano e trouxe ele para a minha vida.
Como assim se descobriu negra?
A maioria dos negros não se descobre. O branco colocou um padrão e a gente segue esse padrão. Muitos negros não conhecem a sua própria cultura. Então, eu mesma vim a me descobrir e me apaixonar em 2013. Através da boneca Abayomi, comecei a me questionar por que estava assim, não seguindo a minha cultura.
Como é a história da boneca Abayomi?
Ela foi feita dentro dos navios negreiros, que traziam os negros para serem escravizados no Brasil. Vendo a tristeza das crianças não podendo brincar, as mães começaram a rasgar a própria roupa e fazer as bonecas. E os negros no Brasil faziam essa boneca para trazer paz, prosperidade, harmonia e saúde. A África não conhece essa boneca, por que ela foi feita nos navios que vinham para o Brasil.
O que você acha da desigualdade que os negros sofrem?
Creio que as pessoas brancas têm que estudar mais, se informar sobre a cultura africana e se colocar no lugar do outro. A partir do momento em que as pessoas com privilégio se colocarem no lugar do outro, tudo muda. Vão sentir o que a gente passa todos os dias. E as escolas têm que aprofundar isso com a criança. Criança consciente se torna um adulto consciente. A base de tudo tem que ser a escola. Mesmo o negro rico vai sofrer preconceito. Também não adianta uma pessoa “branca” querer falar de racismo, porque ela não sabe como é passar por isso.
Então, não existe racismo inverso?
Não existe! A partir do momento que a pessoa “branca” for chicoteada, ser trazida no navio “branqueiro”, aí ela pode falar de racismo. Racismo é fala do negro.
É pensando na educação que você faz faculdade de História?
Estou fazendo história para me especializar na história africana. Meu maior sonho é conhecer qualquer lugar do continente africano.
Os ícones negros deviam ser mais mencionados nas escolas?
Deviam sim! Contar a história de Mandela, Zumbi, Martin Luther King, entres outros. Tem muitos negros importantes sobre os quais as escolas deviam falar.
Você acha que, com o tempo, vai melhorar essa situação?
Creio que a gente vai carregar isso para as próximas gerações. Vai sempre existir essa supremacia branca. Pode até amenizar, mas as oportunidades pra gente são menores. A maioria do povo brasileiro é parda ou negra. Mas é difícil ver vereador, deputado, presidente negro. O negro, enquanto ele não se conhecer e se aceitar, nada vai mudar. Entre os negros mesmo tem muita inveja. Um negro sem consciência não quer ver o outro melhor que ele.
Se um negro fosse presidente, o que acha que aconteceria?
A vida dos pobres, negros e índios, creio, iria melhorar, porque o presidente saberia o que passamos. Creio que o Brasil, por muito tempo, ainda vai ficar no “Brasil Império”. Nunca vão deixar a gente ser mais do que é. As pessoas aprendem na escola que a “Princesa Isabel” foi a rainha da Pátria. Foi bosta! No dia 14 de maio, todos nós estávamos jogados na rua e, assim, foram construídas as favelas. Isso teve um impacto muito grande. A maioria dos presos, favelados e pobres é negra e creio que a gente devia ter uma “reparação”.
Suas roupas impactam a vida do negro? De que forma?
Dá um impacto na vida deles, mas só negro consciente usa roupa de tecido africano. Tem negro que olha e acha que está fantasiado. Já eu, em todo lugar que vou, uso roupa africana. Assim, a gente fica próxima das nossas raízes. Serve para autoestima e encontrar nossa identidade. Sempre que vem alguém para encomendar roupas, conto as histórias do nosso povo.
O que é ser um negro consciente?
É um negro que anda de cabeça erguida, sempre olhando para a frente. Os negros antigos são diferentes. Andam sempre de cabeça baixa, viveram onde os negros têm que servir o branco, não podem entrar em alguns lugares. Então, eles não entendem que o negro de agora pode ir além e estar onde deseja estar. A gente não vai mudar a consciência deles e nem a cultura. O que pode mudar é dessa geração de agora. Vai depender muito da criação dentro de casa e da escola!
A maioria das pessoas que compram suas roupas é negra?
Não. Negros são poucos. São mais pessoas brancas que compram porque acham bonitas. Ah, não sei por que elas compram. O negro ainda não valoriza sua cultura. Minha família é muito presente no meu projeto. Meu objetivo é ver as pessoas negras usando as roupas africanas. Assim, vou perceber que elas estão aceitando a nossa cultura.
Você usa as roupas também como forma de expressar suas ideias?
Sou uma pessoa militante. Onde estiver, falo dos pretos. Entro até em briga para defender meu povo. Inclusive, fiz uma roupa para uma psicóloga que participa quase sempre do programa da Fátima Bernardes. Ela chama Tia Mah.
Já sofreu preconceito?
Claro! Alguns moderados, outros na minha cara e, como sou uma pessoa muito “cheguei”, algumas pessoas não gostam muito. Por ser uma mulher que costura, não sofro muito, mas, por ser mulher negra, sofro um pouco. Porque ser negro já não é bem visto. Então, as pessoas ficam pensando “será que costura bem?” e essas coisas. Sempre julgando como algo inferior.