Corações solidários
Ações sociais voltadas a famílias carentes e moradores de rua da região de Franca buscam reduzir os efeitos da pandemia
Rafaela Costa/Vinicius Vendrame
Foto acima: Leticia (canto esquerdo), acompanhada de Ana Laura, Yhuri e Felipe (ao centro): meta é entregar 10 mil máscaras (Divulgação)
Não existe ser humano que desconheça o amargor da rejeição. Mas, para alguns, essa sensação é permanente. Talvez por isso que moradores de rua sejam tratados como seres invisíveis. Encará-los é se defrontar com solidão, culpa, vergonha e abandono. É uma combinação de sentimentos que muita gente quer evitar.
Tanto em cidades grandes, conhecidas por grande número de moradores de rua, como nas médias e pequenas, a situação de vida nessas condições é preocupante. Não é um problema exclusivo do Brasil, mas, aqui, apesar das sérias questões sociais nas quais estão inseridos, eles ainda são sinônimo de “mendigo”, “vagabundo”, “criminoso”. Isso apesar de um levantamento realizado recentemente pela equipe do projeto Meio-Fio, do Rio de Janeiro, ter revelado que a maioria exerce atividades remuneradas.
Em 2018, outra pesquisa, desta vez do Ministério do Desenvolvimento Social, constatou que 71% dos moradores de rua trabalham e apenas 16% dependem da mendicância para sobreviver. O alcoolismo e as drogas são as principais razões que levam a morar na rua: 35,5%. A seguir, vem o desemprego, com 30%, e conflitos familiares, com 29%.
Os indivíduos desprovidos de família, residência e bens materiais passam a ser vistos como não cidadãos. Sem expectativas de vida, se protegem apenas com papelões e jornais do frio de muitas madrugadas. Fora do olhar do governo, buscam acolhida em quem é capaz de manter um olhar sensível para a causa.
Em meio à pandemia da Covid-19, situações como essas se agravam, se estendendo para outros setores da população. No primeiro trimestre deste ano, o desemprego, já afetado em março pelo coronavírus, atingiu 12,2% no país, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto isso, trabalhos sociais se intensificam, levando, às pessoas situações de vulnerabilidade, a ajuda solidária de voluntários.
A psicóloga social Marissa Vanini explica que o comportamento solidário decorre de momentos como o que estamos vivendo porque ocorre uma comoção coletiva. A mudança abrupta coloca a sociedade para pensar de forma coletiva. E há aqueles que se sentem na obrigação de se preocupar e se comprometer com quem precisa.
Máscaras, marmitas e cestas
Resultado disso é o surgimento de trabalhos sociais. Pessoas que se aproveitam da influência que têm no ramo da comunicação para ajudar. É o caso de Ana Laura Soares, Yhuri Miura, Leticia Mansano e Felipe Lima.
Eles criaram, em Franca, o projeto Fora da Teia (@foradateia). Ana Laura é digital influencer e, conversando com o namorado, Yhuri Miura, dono de uma agência de publicidade, teve a ideia de convidar os outros dois amigos para produzirem máscaras. Elas são doadas a entidades assistenciais e gente que não tem condições de comprar. O serviço é totalmente voluntário. Até agora, já foram produzidas e destinadas mais 1.000 máscaras, a lugares como o Lar de Idosos Euripedes Barsanulfo e o HC (Hospital de Caridade) de Franca. A meta é chegar a 10 mil.
Moradores de um condomínio da cidade também decidiram se reunir e contribuir para a produção de marmitas. São 19 famílias que doam alimentos para a entrega de, aproximadamente, 200 quentinhas diárias, que chegam a moradores de rua e famílias que vivem em condições precárias. Cerca de 300 pessoas já foram beneficiadas.
O projeto, nomeado de Ação Social do Condomínio (@acaosocial.condominio), surgiu a partir da atitude das moradoras Julia Terra Suzano e da tia dela, Vanessa Terra. Além das marmitas, elas arrecadam e doam peças de roupas.
Outra iniciativa vem da Força Jovem Universal (@fjufranca), da Igreja Universal do Reino de Deus. O grupo, que já fazia trabalhos sociais antes da quarentena, ampliou a atuação agora com a pandemia. Ainda em maio, cerca de 30 jovens voluntários fizeram a doação de 1,5 tonelada de alimentos para 200 famílias francanas, que receberam cestas básicas e kits de café da manhã.
Cecilia Batista foi uma das beneficiadas. Ela conta que está sem emprego e não tinha alimentos em casa. “Muito bom. Essa cesta veio em boa hora”.
A solidariedade move e mantém o ser humano em horas de tormenta. Em tempos difíceis, permite enxergar, em meio a quem insiste em propagar a intolerância, aqueles dispostos a colaborar. Além de fazer o bem ao outro, praticar ações solidárias contribui para um cenário menos agressivo e solitário. E muito mais humano.