Ciência transformadora

Envelhecer com saúde

Pesquisadora da USP de São Carlos-SP descobre como alterar principal proteína do leite para melhorar digestão em idosos

Thaís Fonseca

Foto acima: Em laboratório, leite recebeu radiação ultravioleta, o que aumentou digestibilidade em 50% (Divulgação)

A importância do leite na vida de uma pessoa é algo incontestável, principalmente nos primeiros anos, quando a amamentação tem extremo valor. Mas, há algum tempo, o produto vem sendo tema de debate entre profissionais da área, que discordam, entre si, dos efeitos em adultos.

O alimento, ricamente nutritivo, vai à mesa de milhões de pessoas no Brasil e no mundo. Contudo, também tem suas desvantagens. Alguns indivíduos são alérgicos a proteínas do leite ou à lactose, um tipo de açúcar. É preciso, ainda, considerar os casos de má digestão em pessoas idosas, por conta da principal proteína, a beta-lactoglobulina.

Um novo estudo da USP de São Carlos pode mudar os rumos dessa história. A pesquisadora Juliana Fracola, do Instituto de Química (IQSC), descobriu, em sua pesquisa de Mestrado, como modificar essa proteína, com o propósito de melhorar a digestão em pessoas com mais de 60 anos – o que pode representar um grande avanço para a área alimentícia.

Durante o estudo, orientado por Daniel Cardoso, Juliana percebeu que, ao utilizar a luz ultravioleta (UV) para irradiar a proteína, era capaz de mudar a estrutura dela. Após o processo, a proteína modificada foi inserida em uma solução que simula o desempenho gástrico do estômago de um idoso. O resultado foi um aumento de 50% de digestão da proteína irradiada em comparação com a comum, além de também melhorar em 25% a digestão em adultos e crianças.

Juliana Fracola: descoberta pode representar avanço na área alimentícia (Foto: Divulgação)

Outras contribuições

Os resultados da pesquisa favorecem, ainda, outras funções do organismo, como o controle da pressão arterial. O processo substitui a pasteurização e também contribui para uma menor alergenicidade de produtos lácteos.

Para a área econômica, estão previstos benefícios, pois a aplicação da luz ultravioleta para a diminuição da carga microbiana de alimentos é, aproximadamente, 250 vezes mais barata, no que se refere ao dispêndio de energia elétrica, que a pasteurização, o que pode reduzir custos na indústria.

A substituição da pasteurização do leite é um avanço, já que ela ocasiona a perda de cálcio e enzimas importantes do leite. Juliana afirma que o tratamento com luz (UV) é mais seguro. “A luz, no ultravioleta, reconhecidamente confere segurança microbiológica a produtos alimentícios. Vários estudos demonstram este fato. Uma empresa europeia já fabrica fotorreatores capazes de substituir a pasteurização, mas tudo ainda é muito novo.”

História

A pesquisa faz parte do projeto temático “Novel aging: tecnologias e soluções para fabricar novos produtos lácteos para um envelhecimento saudável “, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em parceria com a Innovation Fund Denmark.

Juliana fez graduação em Química com ênfase em alimentos e Mestrado em Química Orgânica e Biológica pela USP-São Carlos. Durante a graduação, fez estágio na indústria Biovital, de São Carlos, e participou de projetos extracurriculares, como o Grupo PET (Programa de Educação Tutorial) e a Empresa Júnior do Instituto de Química (IQSC Jr.).

Os professores envolvidos já haviam idealizado o tema antes de Juliana começar o estudo, porém, uma das causas que a impulsionou foi o fato de ter pessoas idosas na família – avó, mãe e tio – que apresentam dificuldades de digestão. “É recorrente ouvirmos reclamações de desconforto após a ingestão de leite ou produtos lácteos devido à indigestibilidade da proteína beta-lactoglobulina”, afirma a estudante. É importante lembrar que a indigestão a essa proteína é diferente da intolerância a lactose, condição que não fez parte do estudo.

A maior motivação dela, no entanto, é o envelhecimento da população e a necessidade de desenvolver produtos e tecnologias que proporcionem que esta fase seja saudável. Segundo estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas com mais de 60 anos chegará a 2 bilhões no mundo até 2050. Neste mesmo ano, os idosos representarão quase 30% da população brasileira (atualmente, eles somam, aproximadamente, 13%).

Vários distúrbios fisiológicos estão ligados a um envelhecimento precoce, como mudanças nas funções cerebrais, metabólicas, cardiovasculares e a aparição de sarcopenia – perda natural e progressiva de massa e força muscular. Malefícios que diminuem a qualidade de vida.

Juliana conta que uma das dificuldades foi encontrar os parâmetros de irradiação (tempo e intensidade da luz) que realmente modificassem a proteína. O objetivo traçado inicialmente foi atingido. “Conseguimos ainda estudar mais uma proteína do soro do leite, a alfa-lactoalbumina, mas os resultados não foram tão promissores.”

Continuidade

A pesquisadora, que começou o Doutorado em agosto, conta que está dando continuidade no projeto. “Espero, assim, poder contribuir com o envelhecimento saudável e a sociedade como um todo”. Ela agradece às agências de fomento FAPESP e CNPq, que tornam o estudo possível.

Um dos desafios, para os próximos anos, é buscar maneiras de aprimorar a tecnologia de processamento ultravioleta para a produção e lácteos cada vez mais digestíveis.

Com o orientador, Daniel Cardoso: luz UV confere segurança microbiológica (Foto: Divulgação)