Ciência transformadora

Lúpulo tropical

Projeto da Unesp de Jaboticabal busca novas variedades que sejam adaptadas ao Brasil, onde a planta encontra dificuldades

Luciana Garcia

Foto acima: Planta feminina, em formato de cone, é a mais valorizada comercialmente (Divulgação)

Um projeto da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp de Jaboticabal-SP está abrindo portas para o desenvolvimento de novas variedades de lúpulo – planta usada na fabricação da cerveja –, que sejam adaptadas ao clima tropical. A ideia veio do engenheiro agrônomo Renan Furlan, que diz ter se inspirado numa reportagem do programa Globo Rural, da TV Globo, em 2016, sobre o cultivo na Serra da Mantiqueira.

A curiosidade atiçou o interesse em aprofundar o tema. Ele estava concluindo o mestrado. “Entrei em contato com o produtor que vi na reportagem e marquei uma visita, para entender melhor sobre o assunto. A propriedade dele fica em São Bento do Sapucaí-SP”.

O projeto
Como estava nos planos, Renan começou a estudar mais a fundo o assunto, desta vez no doutorado, sob orientação da professora Leila Trevizan Braz, profissional que, além de atuar na área de olericultura – área da produção de hortaliças –, exerce seus conhecimentos no ramo de plantas aromático-medicinais.

Cruzamentos são avaliados em campo experimental da Unesp (Foto: Divulgação)

A proposta tem, como objetivo, o melhoramento do lúpulo, visando à seleção de novos genótipos – conjunto de genes – que sejam adaptados ao clima tropical. Segundo Renan, como o lúpulo é nativo de clima temperado, encontra dificuldades para se desenvolver no Brasil.

Ele explica que o cultivo no nosso país precisa seguir um padrão diferente em relação aos lugares onde o lúpulo se desenvolve melhor. “Assim que é realizada a colheita, a planta é podada na base. Isso porque não temos um clima em que o frio a força a entrar em dormência. O que ocorre é que ela começa um novo ciclo de brotações e, consequentemente, uma nova safra, o que pode ser um diferencial quando tivermos cultivares totalmente adaptados ao clima tropical.”

Uma das metodologias consiste no cruzamento controlado de plantas femininas e machos. As sementes passam por um processo de quebra de dormência que dura cerca de dois meses, com temperatura em torno de cinco graus, o que é fundamental para a germinação.

Em setembro do ano passado, Renan foi selecionado para um concurso criado pelo grupo alemão Barth – Haas Grant, a maior empresa mundial fornecedora de produtos e serviços de lúpulo. O evento é realizado anualmente e premia de cinco a seis estudantes que realizam projetos sobre a planta. A decisão foi de profissionais da companhia, que premiaram Renan com um valor em dinheiro, troféu, além da divulgação do trabalho na newsletter da empresa.

O lúpulo

Da espécie Humulus Lupulus, o lúpulo é uma planta trepadeira perene, pertencente à mesma família da maconha, a Cannabaceae. Considerada um tempero, tem, como característica, propiciar amargor e aroma à cerveja, além de contribuir na preservação da espuma.

O uso na fabricação da bebida começou na Idade Média, quando não existiam meios de refrigeração e as substâncias presentes no lúpulo evitavam a proliferação de bactérias. No século XV, a planta se tornou o conservante e o aromatizante mais popular do Reino Unido. Seu cultivo, geralmente, se dá em países de climas frios, tendo a América do Norte e a Europa como pioneiras na produção de cerveja.

A planta atinge de cinco a sete metros de altura, mas, segundo Renan, tudo depende da estrutura montada para dar suporte a ela. “A colheita é feita por meio mecânico ou manual, mas, em áreas maiores, é praticamente impossível a colheita manual, devido ao porte da planta e a dificuldade na separação dos cones.”

Renan levou ideia do estudo ao doutorado, sob orientação de Leila (Foto: Divulgação)

As plantas fêmeas e machos têm aparências bem diferentes. Por isso, a planta é considerada dioica. A que mais desperta interesse comercial é a feminina, conhecida popularmente como cone, por ter, em sua composição, maior quantidade de substâncias relevantes no preparo das cervejas.

No cone, estão as glândulas de lupulina, que são compostas de propriedades (alfa-ácidos, beta-ácidos e óleos essenciais) responsáveis pela definição das características de cada cultivar. Os óleos essenciais são responsáveis por dar o perfume e o sabor à cerveja, os beta-ácidos ajudam na formação do aroma, enquanto os alfa-ácidos garantem o amargor da bebida.

Apesar de o lúpulo ser mais conhecido como um dos principais ingredientes da cerveja, há também a curiosidade de que essa planta faz bem à saúde. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Sapporo, no Japão, demonstrou que ele apresenta um componente – humulone – capaz de combater vírus que causam doenças respiratórias. Além dele, a flor de lúpulo, quando usada em infusão de chás, pode ajudar a controlar problemas da insônia, devido ao efeito sedativo que possui em sua composição.

Marco cultiva algumas variedades em casa e pretende ter microcervejaria (Foto: Acervo pessoal)

A cerveja no Brasil

A produção nacional de lúpulo pode incentivar, ainda mais, a produção de cervejas no Brasil, principalmente as artesanais. O empresário e produtor independente Marco Antônio já cultiva suas próprias plantas de lúpulo em casa, em Franca-SP. Ao saber que havia mais de trinta cultivares sendo plantadas em São Paulo, Jaboticabal e São Carlos, decidiu comprar algumas, das variedades Chinook, Columbus e Cascade.

“Minha produção é artesanal, e tenho um cômodo em casa só para isso. É o primeiro passo para um dia realizar um sonho: ter minha própria microcervejaria”. Para ele, o investimento em um micronegócio não gera perda de identidade. “Penso em um negócio pequeno, pois não quero perder a característica de uma cervejaria artesanal, como tem acontecido com cervejarias independentes que são compradas por grandes marcas e acabam perdendo isso. Um dos meus objetivos para a cervejaria é ter, entre minhas cervejas, algumas produzidas com lúpulos próprios, para ter um diferencial.”

Segundo dados da FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura –, o Brasil importa praticamente 100% do lúpulo que utiliza, sendo a produção nacional ainda é muito nova. Em 2016, o país comprou 1724 toneladas, um investimento aproximado de 19 milhões de dólares. “Acredito que a produção nacional não chegue a 1% das importações ainda. Somos o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, e a bebida, para ser considerada cerveja, tem de ter quatro elementos, como água, malte, lúpulo e a levedura, ou seja, precisamos de muito lúpulo”, afirma Renan.

A empresa Kantar Wordpanel, líder global de dados, aponta que o consumo de cerveja, no Brasil, cresce a cada ano. De 2016 pra 2018, o percentual de domicílios brasileiros em que a bebida entra com frequência saltou de 62,3% para 63,4%. Ainda segundo a pesquisa, os consumidores estão apostando mais em qualidade do que quantidade.

Já o Anuário da Cerveja no Brasil, divulgado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA – aponta que 2018 registrou aumento significativo de cervejarias registradas legalmente no território nacional: incremento de 23%, resultando em 889 estabelecimentos.

Cultivo no Brasil tem padrões diferentes em relação a países de clima temperado (Foto: Divulgação)