Cidades sustentáveis

Fronteiras invisíveis

Referência para um aglomerado urbano de 19 municípios, Franca enfrenta problemas estruturais em setores como saúde, educação e transporte

Ana Laura Siqueira

Foto acima: Centro de Franca (Divulgação/Guia de Turismo Brasil)

Na noite do dia 18 de abril, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) aprovou um Projeto Lei Complementar (PLC) que reconhece a região de Franca-SP como Aglomerado urbano e determina os municípios vizinhos que o constituem. São eles: Aramina, Buritizal, Cristais Paulista, Guaíra, Guará, Igarapava, Ipuã, Itirapuã, Ituverava, Jeriquara, Miguelópolis, Patrocínio Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina, São Joaquim da Barra e São José da Bela Vista. Com Franca, são 19 localidades, que totalizam 700 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O termo Aglomerado urbano denomina um processo de conurbação ainda iniciante. Conurbação, por sua vez, é a nomenclatura dada a um espaço urbano onde não é possível delimitar limites físicos e reais entre duas ou mais cidades, devido a um processo de desenvolvimento dependente. Apesar da aprovação do PLC, não existe, até o momento, um projeto de lei que viabilize ou preveja um planejamento para o fenômeno geográfico. No entanto, os efeitos da conurbação desordenada tornam-se cada vez mais presentes, com impacto na vida tanto de quem reside quanto de quem vem de fora.

Franca tem uma estimativa de 347.237 (IBGE, 2017), com densidade demográfica de 526,09 habitantes por quilômetro quadrado. É, com isso, o nono município mais populoso do estado de São Paulo, o quinto mais seguro e melhor para se viver em todo o Brasil, sendo o 20º mais desenvolvido do País. Características que contribuem para a formação de fluxos de “migrantes pendulares” cada vez mais intensos e maiores. Classifica-se como migrante pendular o indivíduo que, diariamente, sai de sua cidade para exercer uma atividade de caráter fundamental em uma “cidade-satélite”. Esse nome é atribuído aos municípios que oferecem diversas oportunidades, por serem centros urbanos.

Migrantes pendulares retornam para suas casas somente à noite, fator que define as localidades vizinhas como “cidades-dormitórios”. Em 2010, Franca já contava com 6.479 pendulares. Gente que busca, principalmente, emprego, educação e tratamento médico. A demanda por esses serviços sem o devido planejamento pode gerar um colapso nas repartições que os fornecem, sendo públicas ou não.

Aramina: prefeita do pequeno município acredita que aglomerado trará benefícios (Foto: Câmara/Aramina)

Demanda e oferta de emprego

Em 2015, 103.856 pessoas estavam empregadas em Franca. Cerca de 5% disso não residiam no município, aproximadamente 3.985. Número que se explica por causa da falta da oferta de trabalho em cidades próximas. As migrações pendulares acirram as disputas pelas vagas na cidade-satélite. Rodrigo da Silva, 25 anos, é contador de produção na indústria de borracha Manaus, no Distrito Industrial de Franca. “A demanda de emprego é grande e a oferta, incompatível”, diz, sobre desemprego em sua cidade.

Rodrigo mora em Ribeirão Corrente. Há três anos, apenas 11,8% dos moradores de lá estavam trabalhando. No total, 539 pessoas. No mesmo período, muitos outros municípios do Aglomerado urbano de Franca também apresentaram empregabilidade baixa. Somente 15,4% da população economicamente ativa de Cristais Paulista trabalhavam. Em Guará, dos 19.858 habitantes, 2.946 desempenhavam atividade remunerada (14,1%). Em Pedregulho, o índice era de 17,8%.

Em Franca, os cargos mais concorridos pelos não residentes estão relacionados, direta ou indiretamente, às áreas de agricultura, pecuária e produção. Em segundo lugar, aparecem comércio e reparação de veículos automotores. Entre as atividades menos desempenhadas, os serviços domésticos. Além do estreitamento das oportunidades de emprego, outro problema da atração constante dos pendulares é a estagnação do rendimento. O IBGE apontou que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita de Franca em 2015 foi de R$ 24.679,09 e que 58,6% desse valor são de receitas oriundas de fontes externas, os migrantes pendulares. Ou seja, dinheiro que poderia estar sendo aplicado no desenvolvimento das próprias cidadezinhas.

Educação

Natália Nunes, assessora de imprensa do grupo Educacional Cruzeiro do Sul, informa que a Universidade de Franca (Unifran) atende 14 mil alunos. Desses, metade não mora em Franca. Lívia Carla Perez, assessora administrativa da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Júlio Mesquita Filho, conta que, dos 325 alunos que solicitaram Auxílio de Permanência Estudantil em 2018, apenas 59 moram em Franca. As demais instituições de ensino superior da cidade – Centro Universitário de Franca (Uni-FACEF) e Faculdade de Direito de Franca (FDF) – alegaram que recebem estudantes de fora, mas não conseguem precisar quantos.

O prefeito Hugo César Lourenço, de Rifaina, sancionou, em fevereiro, a Lei nº 1816. Trata-se de um convênio com a Uni-FACEF em que a prefeitura concede uma bolsa de 20% e a instituição, um desconto de 10% para os rifainenses que optem por estudar lá. Não houve, até o momento, lei que sancionasse a abertura de uma instituição de ensino superior em Rifaina.

Rifaina: convênio com universidade por causa da falta de instituições no município (Foto: Prefeitura/Rifaina)

Daiany Elis Corrêa, de 23 anos, estuda Ciências Econômicas na Uni-FACEF. Ela mora em Itaú-MG. De segunda a sexta-feira, às 17h30, utiliza o ônibus fornecido pela prefeitura da cidade de origem para ir à faculdade. Optou por se formar em Franca porque, em casa, não há universidades. Para atuar como economista, terá de continuar viajando. As migrações não só tornaram a tarefa de passar no vestibular muito mais árdua como também a de conseguir vagas em creches e instituições de ensino básico.

Segundo o IBGE, quase 2.500 vagas em creches e escolas da rede pública de ensino de Franca são ocupadas por moradores de outras cidades. O número equivale a todos os matriculados no Ensino Fundamental francano e quase o dobro de matriculados no Ensino Médio.

Saúde

Franca conta com 52 estabelecimentos do Sistema Único de Saúde (SUS). Pelo SUS ambulatorial, são 36; SUS Diálise, três; SUS emergência, cinco; SUS internação, três; SUS UTI e CTI, dois. Enquanto que Aramina e Buritizal, apenas um cada, e Restinga, três. Para que Franca pudesse estender todos os serviços médicos e com excelência a pelo menos metade dos habitantes do Aglomerado urbano (350 mil), teria que duplicar a quantidade de estabelecimentos já existentes e, ainda, acrescentar mais um.

“Se bem planejada, a união a esse aglomerado trará benefícios em muitas áreas, como educação e saúde”, acredita a prefeita Dalva Rodrigues, de Aramina, que comenta não identificar malefícios de imediato no estabelecimento dessa relação. Espera que, em questões estruturais, a cidadezinha não estagne.

Pintados no mapa, os municípios que compõem o Aglomerado urbano; em destaque Franca, que recebe, entre trabalhadores e estudantes, quase 14 mil pessoas de localidades vizinhas. E que tem metade dos estudantes da Unifran e 88% dos da Unesp de outras cidades (Arte: Ana Laura Siqueira)

Outros impactos

Impactos, ainda que mínimos, também são sentidos no transporte. O pico comum de lotação das linhas do transporte público é das 16h30 até as 19 horas. No entanto, em linhas como 128/U28 – Unifran, para desembarque na Universidade de Franca, começa às 16h30 e não cessa até a última viagem, às 23h15. Isso ocorre porque a quantidade de usuários da linha aumenta, já que muitos estudantes que são de regiões próximas também trabalham em Franca e vão direto para a universidade.

A formação de coletivos informais e independentes também cresce. São meios de transportes práticos, com itinerários estabelecidos e pontos determinados por convenção, que, inclusive, têm passagens mais baratas que a cobrada pela empresa que realiza o transporte público da própria cidade. Os destinos mais comuns entre esses coletivos são Franca-Patrocínio Paulista, Franca-Cristais Paulista e Franca-Pedregulho.

Ônibus aguarda alunos da Unifran para retornar a São José da Bela Vista (Foto: Ana Laura Siqueira)